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Estações de ônibus na Frei Serafim: Coletivos populares defendem o canteiro central da avenida

Estações de ônibus na Frei Serafim: Coletivos populares defendem o canteiro central da avenida

A Prefeitura de Teresina projeta construir várias paradas de ônibus no canteiro central da Avenida Frei Serafim, mas a população, representada por coletivos populares, mostra-se contrária. Será lido logo mais na UFPI o manifesto publicado a seguir, que expressa a contrariedade ao projeto da Prefeitura.

Veja:

Carta Manifesto em defesa do canteiro central da Frei Serafim "No dia 14 de junho de 2019 algo especial aconteceu no canteiro central da Avenida Frei Serafim. Foi quando nós artistas, estudantes, professora (e)s, trabalhadora(e)s, moradores e moradoras de Teresina nos reunimos em festa e celebramos nossa cidade. Neste dia, ficou provado que cada centímetro do canteiro central da Av. Frei Serafim é necessário, pois juntos formamos um grande corpo coletivo que deseja estar unido vivendo em uma mesma casa, e festejamos a possibilidade ainda viva de dançar no meio da principal Avenida de Teresina. Ao darmos as mãos e formarmos uma grande roda enxergamos que o espaço destinado às pessoas ainda é menor que o dos automóveis, mas que o combustível que nos move é infinitamente maior.  Percebemos que, não fosse a voz ecoada das dezenas de pessoas que ali cantavam em coro, o som da cidade seria o barulho das buzinas e, ao olharmos pro céu, embalados pelo canto junino, reparamos que, não fosse a poluição, seria possível ver as estrelas, cujo brilho é ofuscado pela ganância de uma cidade que quer crescer a qualquer custo.   Compreendemos que, não fosse a violência do trânsito, não seria preciso segurar as mãos das crianças que poderiam ser livres para correr sem freios para assim, um dia, dizerem que a cidade também pertence a elas.   Embora cercados por todos os lados, não sentimos medo porque ao olharmos em volta nos reconhecemos na cidade que escolhemos para viver. Também não nos demos conta da violência urbana que diariamente é pregada porque não existiam diferenças, nem grades, nem muros, nem cercas. Neste dia, compartilhamos o mesmo espaço e, apesar de espremidos no centro do canteiro, não nos sentimos sufocados e saímos de lá com mais fôlego ainda para continuar a caminhada.  O dia estava quente, embora a temperatura amena, porque o fogo da esperança estava vivo, como os rios dessa cidade ou como o fogo que aquece os tambores que dão o ritmo ao Bumba Meu Boi do Piauí. Em coletivo nos reunimos porque, ainda que nos sentindo ameaçados, há tempos descobrimos que somos mais fortes quando estamos em bando, por isso, como ato instintivo decidimos marcar nosso território contra a ação de um predador. A faísca desse movimento acendeu-se no ano de 2018 quando a Prefeitura Municipal de Teresina anunciou publicamente que iria construir sete estações de ônibus em cima do passeio central da Av. Frei Serafim, seguindo as diretrizes do Plano Diretor de Transportes e Mobilidade Urbana de Teresina, o qual, embora elaborado há mais de uma década, ainda é desconhecido por grande parte da população. Desde então, decidimos nos reunir em assembléia para debatermos sobre as sete estruturas de ferro e vidro (250m² cada uma), propostas para substituir esse espaço de encontro e convivências diárias dos teresinenses. Portanto, de forma democrática, trazemos abaixo os motivos pelo quais defendemos que o canteiro central da Av. Frei Serafim permaneça livre para um florescer verde e vivo, livre de concretos.

Acreditamos em um modelo de cidade feito pelas/para pessoas. Onde os lugares praticados são espaços de sociabilidades, solidariedade e afetos. O passeio da Av. Frei Serafim é, além desse espaço, um símbolo da cidade, cartão postal, patrimônio cultural. É paisagem citadina permeada por memórias e afecções que deve ser preservada e não descaracterizada em nome de um projeto de mobilidade urbana que atende aos interesses do capital. É a mais importante Avenida de Teresina, a qual não podemos permitir jamais ser violentamente transformada por um plano diretor que distancia cada vez mais as classes periféricas do centro e do direito à cidade.

(Grupo de pesquisa Direitos Humanos e Cidadania - UFPI) A Arte, tanto quanto linguagem e expressão, é tática de resistência coletiva. Ela comunica e denuncia os desmandos de gestões autoritárias, de interesses privados elitistas e opressores, de um sistema de exclusão que privilegia poucos e contribui para o aumento das desigualdades. O canteiro da Av. Frei Serafim deve ser também cenário/palco para intervenções artísticas. Para a Arte que ocupa e é teia, ponte que nos une e liga, Norte e Sul, ao centro da cidade, que outrora Verde menina, se transforma em Tristerezina. É preciso resgatar a alegria de viver aqui! (Coletivo OcuparTHE) O Estatuto da Cidade, estabelece diretrizes gerais para a política urbana visando à garantia da funcionalização da cidade e promoção do bem estar de seus habitantes. Entre as funções sociais da cidade estabelecidas pelo Estatuto da Cidade, se destacam a habitação, o trabalho, a circulação e o lazer, visando a plena integração dos seres humanos, seu crescimento educacional e cultural, num ambiente saudável e ecologicamente equilibrado. Mas o que se coloca na prática é o contrário, a negativa do direito à cidade aos moradores da periferia não para na ideologia social estigmatizadora ou em fatores externos como a violência.

O próprio estado associado aos grandes empresários do transporte nos negam a cidade todos os dias. Eles transformam, instrumentalizam a cidade para fins privados, negando cultura, lazer e acessibilidade. (Perifala) A cidade é para o povo, a cidade é do povo. Proposições como um arraial no canteiro da Frei são experiências sensíveis que mostram que é possível ocupar os espaços públicos com respeito e diversidade. Colocando em cena as pessoas que fazem uma cultura do chão, as pessoas que pisam na terra e fazem uma cultura do povo! O Boi Touro da Ilha rasga a normatividade da Frei Serafim, rompe com as políticas higienistas do Estado. A fogueira estica os couros dos tambores, as fitas das roupas dos brincantes fazem colorir a avenida, os tons cinzas dos tijolos justapostos se enchem de vida. Queremos nossa Teresina ocupada por gente, arte e afetos. ( NUPEGECI/UFPI). Questionamos o porquê dos planos desta cidade que ainda não conseguem refletir os desejos das pessoas que vivem nela e seguem no vício de empurrar, de cima para baixo, projeto que não nos representam. Hoje, a zona norte de Teresina sente as consequências de um projeto que é implantado sem o mínimo diálogo com os moradores locais. Os prejuízos disso é um projeto que aos invés de incluir, expulsa milhares de famílias do seu território. Tal processo de desterritorialização é nocivo à vida comunitária e apaga nossa identidade com o lugar que escolhemos para viver. Hoje, mais que ontem, e ainda menos nos dias que virão, lutamos por uma cidade que respeite nosso povo. (Movimento Lagoas do Norte Pra Quem?) Uma cidade educativa é urgente e necessária! Com seus espaços praticados por gente, ensinando e aprendendo. Luzes piscando jovens e crianças; pessoas de todas as idades experienciando territórios educativos, criativos, afetuosos e saudáveis. Lindo (re)encontro viver a Frei Serafim ocupada! ( OBJUVE/UFPI) É inviável pensar uma cidade que não seja, antes de tudo, para o amor e a coletividade. Insistir na fragmentação do espaço urbano é uma tentativa já falida de instigar a separatividade, o que tem criado cada vez mais medo e engano. A luta pela Frei Serafim garante dizer que podemos ocupar, resistir e cooperar, criando conjuntamente a cidade que melhor queremos, a cidade que seja para todos. A comunicação popular, neste ínterim, é mais uma força que se soma pelo nosso direito de dizer o que almejamos ou não para nossa vida social e para cada espaço que usamos coletivamente. Força! (Zine Coletivo) Todos sabem a importância da arborização e o quanto ela influencia no clima. Também se sabe que a arborização nas cidades trás inúmeros benefícios tais como melhorias da temperatura, paisagística, estética, enfim, traz conforto ambiental imensurável. No entanto, para as autoridades que governam Teresina, nada disso significa, consideram mais importante comprometer a qualidade de vida dos habitantes a desagradar empresários do setor de transporte público ao planejar a descaracterização da principal Avenida da Capital, a Frei Serafim, a principal artéria da cidade. Desta forma, seremos resistência e cobraremos do poder público mais conforto ambiental para nossa Avenida afetiva Frei Serafim. (Rede Ambiental do Piauí - REAPI) Ali, naquele canteiro que é central em relação à avenida e q é central em relação à cidade, que habita em muito o imaginário e as práticas da cidade, acontecem encontros inusitados, formas de trabalho, comunicações sociais e plurais; é o espaço de descanso para os olhos, pulmões e corpos com o acolhimento das árvores que nos protegem do sol do quase equador; que nos dá mobilidade, neste mesmo conforto, onde não precisamos desviar de carros das calçadas ou nos abrigar embaixo de guarda-chuvas. Acreditamos que o canteiro central da Frei Serafim deve e pode ser preservado e valorizado no que tem de mais relevante: sua flora, sua fauna, sua gente, suas dinâmicas e sua história (Coletivo Flores.Ser). A Frei Serafim é uma parte do corpo do movimento Hip-Hop, e lá a cultura de rua pulsa, canta e dança sem incentivo financeiro e sem políticas públicas para a juventude. A Batalha da Frei Style faz parte da identidade de um movimento negro e periférico que ocupa o centro da cidade que esse mesmo povo constrói, no intuito de diminuir as deficiências que o próprio Estado causa. A vida flui do canteiro central para a juventude e da juventude para o canteiro central. Inegável o valor imaterial do canteiro como parte de memórias do povo teresinense. A destruição do canteiro central demonstra a indiferença para com a memória da cidade. ?Sendo o local onde também nos comunicamos uns com os outros através da arte, da dança, de slams de poesias, batalhas de break e de MC"s.

Onde nos expressamos e manifestamos aquilo que sentimos. A rua é a nossa casa, nossas recordações, e também é nosso espaço democrático. (Movimento Hip-Hop - Batalha de MC"s) Se nós, enquanto patrimônios “individuais”, nos construímos a cada dia, ressignificamos nossas memórias e identidades, porque com nossos patrimônios coletivos, pertencentes a nossa cultura – nossos modos de pensar, fazer, viver, etc.–, deveria ser diferente? Mas as transformações em nossos patrimônios se dão a partir de nós, num fértil entrelaçamento passado-presente-futuro, ou nos são impostas, com base em uma política higienista sob o cunho “patrimonial”, com base em interesses que não prezam por nossa qualidade de vida? Mais que preservar bens, materiais ou imateriais, ou cultuar um (perigoso) saudosismo, pensar nosso patrimônio é ir muito além da memória de uma época, é tratar os bens como  referências culturais nossas, vivas no dia a dia de variadas faixas etárias (inclusive as que ainda estão por nascer), sem perder de vista também a humanização dos espaços, e a tão dita (e pouco vista) “cidade para pessoas”. Afinal, que valores queremos preservar? Na cidade e na avenida Frei Serafim, em especial, queremos preservar o direito aos nossos espaços públicos, espaços em que podemos e queremos ir e vir, permanecer, festejar, discutir, expressar...em resumo, viver todas as nossas potencialidades enquanto seres humanos, sociais e políticos, num sentido mais amplo e mais diverso possível. (Movimento Ocupe Frei Serafim) Teresina, 21 de junho de 2019".

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