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Empréstimo consignado do Auxílio Brasil prejudicará, a longo prazo, a vida dos brasileiros

Modalidade de consignado em meio à crise não é inclusão financeira: é, no limite, agiotagem eleitoral

Foto: ReproduçãoAdvogado Carlito Feitosa, o entrevistado da semana
Advogado Carlito Feitosa, o entrevistado da semana

Temos acompanhado uma movimentação do governo federal no sentido do uso da máquina pública em favor da reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Tais iniciativas são chamadas de “pacotes de bondades” mas, na verdade, tratam-se de mecanismos que corroem a democracia, e prejudicam a formulação de políticas públicas verdadeiramente eficazes, perpetuando a fragilidade da população. O consignado do Auxílio Brasil, oferecido pela Caixa Econômica Federal desde 11 de outubro, parece ter passado dos limites do tolerável neste sentido.

No caso da Caixa, tal crédito vem com uma taxa de juros de 3,45% ao mês – ou seja, cerca de 50% ao ano – e deve ser pago em prestações que podem chegar a até 40% do benefício recebido. Num exemplo representativo, o beneficiário que teria direito a R$ 400 reais de auxílio passaria a receber R$ 240 reais durante o período do empréstimo para amortizar a sua dívida. Em quatro dias, a duas semanas do segundo turno das eleições, a Caixa distribuiu R$ 1,8 bilhão em empréstimos nessa modalidade.

Soma-se a isso o fato de o governo federal e a Caixa, movidos por interesses eleitoreiros, estarem fazendo propaganda da nova linha de crédito, incentivando de forma perversa a sua adesão por pessoas que provavelmente não terão condições de fazer sua quitação. Isso representará, para elas, uma situação traumática no mercado bancário. Em paralelo, a medida também expõe a Caixa a riscos financeiros elevados, dadas as diferenças entre suas taxas e aquelas praticadas por outros bancos ofertantes do programa. Não se trata, portanto, de promoção de liberdade econômica e inclusão financeira. Na verdade, a medida representa, no limite, uma forma de agiotagem eleitoral direta.

De acordo com o The Intercept, uma evidência gritante deste problema é dada pela recusa, por grandes bancos privados – como o Itaú e o Bradesco – em aderir ao esquema, provavelmente receosos dos riscos reputacionais associados, ainda que pudessem lucrar com a iniciativa de forma relativamente fácil. O presidente do Itaú, Milton Maluhy Filho, declarou, de forma honesta, que não se trata do “produto certo para público vulnerável”. 

Sobre o assunto, o pensarpiauí conversou com o advogado Carlito Feitosa, pós-graduado em Direito Agrário e Ambiental, e pós-graduando em Advocacia Trabalhista e Previdenciária.

Confira a entrevista:

pensarpiauí- Na sua opinião, o empréstimo consignado além de endividar pessoas em situação de vulnerabilidade, também está sendo usado para promoção do governo e com finalidade meramente eleitoral?

Carlito Feitosa- Não resta dúvidas que, as facilidades apresentadas através das instituições bancárias no acesso aos empréstimos consignados, estão criando uma situação extrema de endividamento aos aposentados e pensionistas de todas as matizes, mas, especialmente, aos aposentados rurais – onde muitos não tiveram a oportunidade de estudar (educação formal) e isso os tornam presas fáceis da gana insaciável do sistema financeiro perverso. “Resolve” uma situação momentânea e cria um problema maior por 60,72, 84 meses, prazos utilizados pelas financeiras, pois quanto maior o prazo, maiores os juros.

O aumento do percentual mínimo legal, instituído pela Lei 14.431, de 03/08/2022, de 35 para 40%, podendo alcançar até 45%, sendo 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis, 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado, e 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão consignado de benefício ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão consignado de benefício ($5º art. 6º).

Resta claro, pois, que a aprovação e promulgação de uma lei em pleno processo eleitoral em curso, tem caráter eleitoreiro.

pensarpiauí- Em que esse empréstimo pode beneficiar a população?

Carlito Feitosa- O benefício é mínimo – apenas diminui a burocracia, por ter a própria aposentadoria, pensão por morte e/ou Benefício Assistencial (BPC/LOAS) como garantia, portanto inadimplência zero. Com isso os juros deveriam ser menores, o que nem sempre ocorre, além de um sem-número de taxas e “penduricalhos” criados pelos bancos, principalmente os privados, não esquecendo de “vendas casadas”, o que também é vedada pela legislação vigente. Enxergo mais desvantagens do que propriamente benefícios aos que recorrem ao “endividamento”.

pensarpiauí- Essa ação do governo Bolsonaro pode ser uma tragédia anunciada para os usuários do auxílio?

Carlito Feitosa- A inclusão dos beneficiários do Auxílio Brasil nesse rol de possibilidade de comprometimento de até 40% do valor trará, em curto espaço de tempo, pouco depois das eleições, uma situação de endividamento tamanha, que será necessário pôr em prática as famosas promessas de campanhas apresentadas pela maioria dos presidenciáveis, de instituírem “REFIS” ou perdão de dívidas contraídas pelos beneficiários deste benefício social.

E o tamanho do problema é assustador. Para se ter uma ideia, em apenas algumas horas (iniciado há poucos dias), apenas a caixa Econômica Federal liberou 1,8 bilhão de reais. Imagine, então, o volume total operado pelos 11 bancos e financeiras credenciados para ofertarem tais empréstimos.

pensarpiauí- Qual sua orientação para as pessoas que pensam em fazer ou fizeram o empréstimo?

Carlito Feitosa- Vejamos: se ao receber o valor integral do seu benefício previdenciário (aposentadoria, pensão), do seu benefício assistencial (BPC/LOAS), e/ou do seu benefício social (Auxílio Brasil), o beneficiário não está conseguindo administrar para viver com dignidade, satisfazer suas necessidades básicas, imagine, 3 ou 4 meses após a formalização do empréstimo e o início dos descontos das respectivas parcelas (lembrando que pode alcançar até 45% do total do benefício), como ficará a situação desta pessoa? Portanto, nossa orientação é no sentido de que evitem ao máximo contrair estes empréstimos, que na ilusão de solucionar uma situação momentânea, repito, amargará uma longa e tenebrosa travessia até avistar o final do contrato.

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