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Eleição 2022: ódio ao PT e o tamanho da direita no Brasil

A direita no Brasil tem, hoje, os números eleitorais que a eleição de 22 demonstrou cerca de 44% por centos dos eleitores

Foto: DivulgaçãoÓdio ao PT

Por José Osmar, advogado

O resultado da eleição de 2022, com a vitória de Lula pela apertadíssima margem de 0,9% dos eleitores, deixa várias perguntas no ar, dentre as quais a seguinte: a direita brasileira tem realmente o tamanho que a última eleição presidencial demonstrou? A pergunta pode ter diversas repostas corretas, a depender de quem pergunta e de quem responde. As respostas podem levar em consideração os fatores “candidatos” e “eleitores” separadamente ou analisar os dois fatores em conjunto. No presente artigo tentaremos responder à proposição apenas sob o viés dos “eleitores”, e tomaremos os termos “direita” e “esquerda” como sendo o universo de eleitores desses espectros ideológicos, incluindo em cada um deles os eleitores do centro, tanto à direita como à esquerda.

Medo transformado em ódio

O sítio eletrônico da Jovem Pan publicou o resultado de uma pesquisa feita em 2014 pelos cientistas políticos David Samuels e Cesar Zucco Jr., em parceria da Universidade do Minnesota (EUA) e com a FGV (Fundação Getúlio Vargas – RJ), denominada “Partidarismo, Antipartidarismo e Comportamento do Voto no Brasil”. A pesquisa constatou que naquele ano 11,4% dos eleitores brasileiros odiavam o Partido dos Trabalhadores. Registrou, ainda, que aqueles que odeiam o PT são “geralmente eleitores brancos, na faixa dos 40 anos, que defendem a ascensão dos militares ao poder”, e se dizem dispostos a “pagar mais impostos para a saúde e educação, defendem a cobrança maior para os mais ricos, a ação contra a desigualdade e os direitos homoafetivos e o aborto”.

Não há notícias de que outra pesquisa com o mesmo objetivo tenha sido realizada depois de 2014, no entanto, parece não haver dúvidas de que o percentual de pessoas que odeiam o PT, hoje, subiu significativamente, como resultado do massacre midiático e judicial a que a sigla e seus líderes continuaram a ser submetidos de 2014 até os dias atuais. Massacre que – como se sabe – já vinha ocorrendo desde 2005, com o chamado “escândalo do mensalão”.

Por outro lado, chama a atenção o fato de que em 2014 – época da pesquisa – o ódio ao Partido dos Trabalhadores fosse de “apenas” 11,4% dos eleitores brasileiros, o que, apesar de lastimável, pode ser considerado um índice pequeno, tendo em vista a ferocidade, a intensidade, a sistematicidade e a abrangência dos ataques sofridos pela sigla e seus líderes durante os dez anos anteriores.

O fato é que, apesar de odiado, em 2014 o Partido dos Trabalhadores ganhou a quarta eleição presidencial seguida, com Dilma Roussef eleita para um segundo mandato, embora com uma diferença de apenas 3,28% dos votos em relação ao concorrente Aécio Neves. Lembrando que em 2002 Lula ganhara de José Serra com uma diferença de 22,45% e em 2006, de Geraldo Alckimin, com uma diferença de 21,14%. Dilma, por sua vez, ganhara de José Serra em 2010 com uma diferença de 13,10% dos votos, caindo em 2014 cerca de dez pontos percentuais. Evidentemente, o declínio da votação dos candidatos presidenciais do PT entre a eleição de 2002 e a de 2014 é reflexo de uma série de fatores, mas, seguramente, também resultou do crescimento paulatino do ódio ao Partido dos Trabalhadores detectado pela pesquisa que aqui se menciona. O medo que em 2002 a atriz Regina Duarte dizia ter da vitória de Lula e do Partidos dos Trabalhadores nas eleições daquele ano aos poucos foi sendo trabalhado para se transformar em ódio.

Número de odiadores aumentou rapidamente a partir de 2016

Com o impeachment de Dilma Roussef em 2016 o Partido dos Trabalhadores perdeu a plataforma privilegiada a partir da qual fazia sua defesa – a Presidência da República e as políticas públicas que beneficiavam especialmente os mais pobres. E, para piorar, vieram na sequência a prisão de Lula e a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Assim, fora da Presidência e com seu principal líder preso, os ataques se intensificaram na imprensa e na internet em geral, catapultados pela operação “lava-jato” e pelo governo bolsonaro e seu “gabinete do ódio”, sem que os petistas conseguissem articular qualquer defesa minimamente eficaz. O tiroteio contra o Partido só começou a arrefecer com as revelações da “vaza-jato”, a soltura de Lula em novembro de 2019 e a intensificação dos ataques de Bolsonaro à democracia e suas instituições.

Cabe aqui mais uma olhada na pesquisa de 2014, para constatar-se que a idade média dos que odeiam o Partido dos Trabalhadores é de 40 anos e que eles defendem um golpe militar (embora, quanto ao golpe, apenas na hipótese de a esquerda ganhar a eleição). Portanto, os odiadores não são jovens ainda em formação da personalidade. Eles sabem perfeitamente o que dizem e querem. Ao mesmo tempo, admitem pagar mais impostos para financiar a saúde e a educação, e até defendem o aborto e os direitos das minorias. Há, aí, uma contradição que revela, porém, a essência do pensamento dessas pessoas: na verdade, os odiadores não defendem pautas sociais, eles as assumem apenas para não parecerem radicais aos olhos dos circunstantes, porque talvez imaginem que se dizendo favoráveis às políticas sociais da esquerda o sentimento de ódio que acabaram de externar possa de alguma maneira ser mitigado, certo que poucos simpatizam com os odiadores, senão talvez eles próprios entre si.

Evidentemente, o ódio não é propriamente ao Partido dos Trabalhadores, mas a tudo que a agremiação defende e representa, especialmente as políticas direcionadas aos mais pobres, identificadas por eles como pautas da esquerda. De modo que uma explicação possível para o ódio detectado na pesquisa – e visível nas postagens da internet – é a de que os odiadores não suportam periféricos ocupando espaços que antes lhes “pertenciam” com exclusividade, como aviões, shopping centers, carros novos, viagens de férias... Provavelmente, a maioria dos odiadores têm ainda bem vivas na memória as imagens de suas babás, as cozinheiras de suas mães, os jardineiros de suas casas, os motoristas de seus pais, ou quem sabe estão ali também as reminiscências dos seus antepassados, contemplando a senzala a partir da casa-grande, lotada de pretos, a servir-lhes de pasto para gozo material e até sexual, sem direitos, sem voz, simples objetos adquiridos como peixe no Cais do Valongo. Essas pessoas podem ser classificadas como “odiadores convictos” do Partido dos Trabalhadores e a explicação para essa condição é o meio socioeconômico em que nasceram e cresceram, e, quem sabe, isto seja também resultado de uma herança genética. Pois é: Richard Dawkins nos fala de uma certa genética social, de uma ciência denominada sociobiologia, sugerindo que os comportamentos sociais têm uma base genética. Os odiadores do PT me fazem inclinado a considerar a teoria de Dawkins.

Portanto, é razoável admitir-se que uma pesquisa sobre o tema, hoje, encontraria algo em torno de 20% dos eleitores brasileiros odiando o Partido dos Trabalhadores. Isto é mesmo visível nas redes sociais – lembrando que quem odeia não é adversário, é inimigo, e o inimigo geralmente é capaz de tudo para destruir o desafeto.

Pobre de direita

Porém, o meio socioeconômico e a sociobiologia não seriam capazes de explicar tudo no caso dos odiadores do Partido de Lula. É que entre eles a pesquisa encontrou pessoas pobres e também pessoas que, não sendo pobres, eram, entretanto, oriundas das classes trabalhadoras, naquilo que se convencionou chamar de “pobres de direita”. Este fenômeno pode ser constatado facilmente em nossas famílias e também, como dito, nas redes sociais: pessoas que muitas vezes são beneficiárias de programas sociais dos governos de esquerda e que, no entanto, defendem pautas da extrema direita. Como explicar que alguém cuja situação de vulnerabilidade econômica tem sido, notoriamente, objeto das preocupações do Partido dos Trabalhadores odeie esse Partido? Uma explicação plausível e constatada também pelas pesquisas de opinião é a influência das chamadas igrejas evangélicas, pela utilização que elas fazem da palavra de Deus como arma política, associando a esquerda, de forma distorcida, a pautas tidas como anticristãs, como o aborto, o homossexualismo e as ‘ditaduras comunistas’. Os “pobres de direita” são, comprovadamente, pessoas desinformadas, vulneráveis econômica e culturalmente, e, portanto, não devem ser classificadas como “odiadores convictos” do Partido dos Trabalhadores, embora tenham votado em Bolsonaro em 2018 e em 2022.

Resposta à pergunta

Os números revelam que a direita cresceu significativa e consistentemente nos últimos vinte anos no Brasil. As causas do crescimento são diversas, preponderando a utilização, pela direita, da corrupção havida nos governos da esquerda (corrupção preexistente, mas tolerada pela esquerda) como mote para a satanização do Partido do Trabalhadores e de seus líderes; a utilização da lei pelo Ministério Público e pelo Judiciário como aríete para esgarçar a base de apoio social da esquerda, mediante a condenação e desmoralização completa de suas lideranças; a utilização de forma profissional e criminosa do ambiente cibernético para disseminar mentiras a respeito da esquerda de suas pautas; a incapacidade da esquerda de reagir às narrativas da direita disseminadas na imprensa e nas redes sociais; a falta de uma estratégia de atuação visando neutralizar as distorções que os pastores evangélicos fazem das pautas da esquerda, afetando o coração da base social que sustentava as largas vitórias eleitorais do Partido dos Trabalhadores. Todas essas acusações, coordenadas e marteladas ano após ano, levaram a aversão natural que nos anos oitenta parte da sociedade tinha à esquerda (aversão remanescente da época da ditadura) ao nível do ódio, direcionado para aquele que encarna e representa o pensamento de esquerda no Brasil, o Partido dos Trabalhadores. Por outro lado, pesquisas facilmente encontradas na internet apontam que cerca de 24% dos eleitores brasileiros se declaram de direita, portanto, sem qualquer propensão de votarem em candidatos de esquerda.

Assim, somados os 20% que odeiam o PT com os 24% que, mesmo não odiando o Partido, não votam na esquerda, tem-se o tamanho eleitoral real da direita no Brasil hoje como sendo algo em torno de 44% do eleitorado, o que ‘bate’ com os 43,20% de eleitores que votaram em Bolsonaro no 1º turno de 2022.

Então, a resposta à pergunta feita no início deste artigo é positiva. Com efeito, a direita no Brasil tem, hoje, efetivamente, os números eleitorais que a eleição de 2022 demonstrou no 1º turno – cerca de 44% por centos dos eleitores.

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