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Economistas divulgam manifesto por taxa de juros para país ‘reencontrar caminhos da estabilidade política’

“A história mostra que o desemprego e a depressão econômica são substrato para a emergência do fascismo”, diz o documento

Foto: DivulgaçãoOs economistas Nelson Marconi (esq.), Luiz Carlos Bresser-Pereira (centro) e Monica de Bolle (dir.)
Os economistas Nelson Marconi (esq.), Luiz Carlos Bresser-Pereira (centro) e Monica de Bolle (dir.)

 

RBA - Os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Monica de Bolle, Luciano Coutinho, Nelson Marconi, Leda Paulani, Antonio Corrêa de Lacerda, Clélio Campolina, Paulo Nogueira Batista Jr. e Lena Lavinas são alguns dos nomes que participam de um movimento no qual defendem, por meio de um manifesto divulgado neste sábado (11), a “razoabilidade” da taxa básica de juros, a Selic. Publicado como abaixo-assinado na plataforma Change.org, o texto tinha cerca de mil assinaturas até o início da tarde.

“A eleição de outubro renovou as esperanças de que o Brasil possa reencontrar os caminhos para a estabilidade política e um lugar respeitável no mundo. O Brasil precisa de paz e de perspectivas. O mundo precisa da estabilidade do Brasil”, diz o documento. Os signatários afirmam que “a superação dos desafios brasileiros só pode ser alcançada com uma nova política econômica, promotora de crescimento e prosperidade compartilhada”.

O que eles chamam de razoabilidade da taxa de juros é, de acordo com os economistas, “condição indispensável para a normalidade econômica”. Sem essa condição, na opinião deles, os investimentos necessários ao país não prevalecerão ante as aplicações financeiras. Do mesmo modo, “as remunerações do trabalho e da produção” perderão para a especulação, asseguram.

Lula x Campos Neto

Nas últimas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem criticado duramente o Banco Central, agora independente, conduzido por Roberto Campos Neto. Na segunda-feira (6),  em discurso na cerimônia de posse de Aloizio Mercadante como presidente do BNDES, ele afirmou que “não tem nenhuma justificativa para que a taxa de juros esteja em 13,75%”. Segundo Lula, “é uma vergonha”.

No dia seguinte, o presidente voltou a alfinetar o BC. “Ele deve explicações não a mim, mas ele deve explicações ao Congresso Nacional, que o indicou”, afirmou na terça-feira (7), em café da manhã com a imprensa “independente”, referindo-se a Campos Neto.

Na ata divulgada na terça-feira (7) sobre a manutenção da taxa Selic em 13,75%, o Comitê de Política Monetária (Copom) acenou com uma bandeira branca, ao dizer que a execução do pacote de medidas já anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pode atenuar o risco fiscal.

“O Comitê manteve sua governança usual de incorporar as políticas já aprovadas em lei, mas reconhece que a execução de tal pacote (da Fazenda) atenuaria os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação”, afirmou a ata. O ministro da Fazenda imediatamente respondeu ao aceno. Ele disse na mesma manhã que a ata do Copom era mais “analítica” e “amigável”, “colocando pontos importantes sobre o trabalho do Ministério da Fazenda”.

Há um mês, Haddad anunciou as primeiras medidas econômicas do governo. Incluíam duas medidas provisórias e alguns decretos com o objetivo de que as despesas diminuam como proporção do PIB e as receitas aumentem. Na ocasião, Haddad previu que, havendo relação produtiva com a “autoridade monetária” (o Banco Central), o ano de 2023 poderia até terminar com déficit primário, hoje em 2,3%, para patamar inferior a 1%.

Contexto histórico e político

O manifesto assinado pelos economistas divulgado hoje defende que o Brasil precisa descartar a “política monetária inadequada” para combater a pobreza, reduzir as desigualdades e construir políticas sustentáveis em relação ao meio ambiente. Destaca que o momento histórico “é excepcional também pelo contexto político”.

“A história mostra que o desemprego e a depressão econômica são substrato para a emergência do fascismo, do militarismo, da xenofobia e do ataque a minorias, avançando sobre as instituições democráticas”, alerta o manifesto.

Leia a íntegra abaixo: 

TAXA DE JUROS PARA A ESTABILIDADE DURADOURA. MANIFESTO DE ECONOMISTAS EM FAVOR DO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

A eleição de outubro renovou as esperanças de que o Brasil possa reencontrar os caminhos para a estabilidade política e um lugar respeitável no mundo. O Brasil precisa de paz e de perspectivas. O mundo precisa da estabilidade do Brasil.

O presidente Lula tem sabido enfrentar, desde 30 de outubro, alguns dos desafios mais sérios, a começar pela trama da contestação dos resultados das urnas e as arruaças promovidas pelos maus perdedores, bem como soube construir um orçamento viável para as emergências amplamente reconhecidas. O governo de amplo espectro mostra o compromisso com a inclusão e a governabilidade. Mas é preciso mais.

A superação dos desafios brasileiros só pode ser alcançada com uma nova política econômica, promotora de crescimento e prosperidade compartilhada. A razoabilidade da taxa de juros é uma condição indispensável para a normalidade econômica. Sem isso, os investimentos perderão para as aplicações financeiras e as remunerações do trabalho e da produção vão perder para a especulação.

A taxa de juros no Brasil tem sido mantida exageradamente elevada pelo Banco Central e está hoje em níveis inaceitáveis. O discurso oficial em sua defesa não encontra nenhuma justificativa, seja no cenário internacional ou na teoria econômica e o debate precisa ser arejado pela experiência internacional. Nenhum dos países dotados de recursos e economias estruturadas possui uma taxa de juros sequer próxima da que prevalece no Brasil e que o Banco Central pretende manter por longo período. E todos esses países reconheceram o caráter excepcionalíssimo do surto inflacionário recente, explicado pela pandemia e pelo conflito bélico, não por excesso de demanda.

O Brasil só poderá alcançar os objetivos da estabilidade econômica, política e institucional se juntos formos capazes de aumentar a produção e a produtividade, os empregos e os bons empregos, além dos serviços que são prestados à população e aos mais carentes. O estrangulamento das atividades produtivas e criadoras não é uma solução. As empresas precisam investir para aumentarem a produção e a qualidade e sustentabilidade dos seus produtos e o uso econômico da biodiversidade. As obras de infraestrutura precisam ser retomadas para proverem serviços com custos mais reduzidos para as empresas e as famílias. É no crescimento e no desenvolvimento que o Brasil pode superar as turbulências que nos afligiram.

A excepcionalidade do momento exige serenidade, mas isso não significa se conformar com caminhos estéreis. Precisamos recolher da experiência internacional os melhores ensinamentos e aplicá-los à nossa realidade. E na nossa realidade há hoje muito mais oportunidades de investimento e criação de novas riquezas do que na maior parte dos países. O Brasil, sem as amarras de uma política monetária inadequada, poderá finalmente buscar os verdadeiros equilíbrios, aqueles que são a razão da política econômica: eliminação da pobreza, redução das desigualdades, preservação da natureza e sustentabilidade.

O momento é excepcional também pelo contexto político. A história mostra que o desemprego e a depressão econômica são substrato para a emergência do fascismo, do militarismo, da xenofobia e do ataque a minorias, avançando sobre as instituições democráticas. Uma governança econômica que seja capaz de debelar o atual estado de estagnação e crise não é somente importante para a melhora das condições de vida da população, mas é também essencial para que retomemos uma trajetória de construção democrática. Os economistas signatários deste manifesto declaram publicamente o apoio a uma política que seja capaz de reduzir substancialmente a taxa de juros, propiciando as condições para a retomada do desenvolvimento com estabilidade sustentável.

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