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Ciro Nogueira usou emenda para comprar caminhão de lixo de empresa que pertence a amiga

O ministro da Casa Civil está novamente no centro de escândalo com dinheiro público no governo de Jair Bolsonaro

Foto: DivulgaçãoCarla Morgana Denardin e Ciro Nogueira
Carla Morgana Denardin e Ciro Nogueira

Carta Capital - O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), direcionou uma emenda parlamentar no valor de 240 mil reais para compra de um caminhão de lixo compactador fornecido pela empresa de Carla Morgana Denardin, amiga que frequenta o seu gabinete. Ao todo, o veículo comprado pela prefeitura de Brasileira (PI) foi o mais caro do lote, ao custo de 318 mil reais, tendo sido pago com o valor da emenda do ministro e um complemento de 79 mil reais da prefeitura. A ata inicial, no entanto, previa uma contrapartida municipal de apenas 16,2 mil reais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo desta segunda-feira 23.

A revelação faz parte do novo escândalo com dinheiro público no governo de Jair Bolsonaro (PL), apelidado de ‘bolsolão do lixo’ nas redes sociais. Ao todo, documentos revelam que dinheiro público bancou centenas de caminhões de lixo com preços inflados. Os veículos foram destinados para pequenas cidades comandadas por aliados do governo. Parte dos municípios — é o caso de Brasileira — que receberam o veículo sequer tem produção de resíduos suficiente para encher o caminhão. Ao todo, os preços inflados somam 109 milhões de reais.

No novo caso envolvendo a emenda de Nogueira, todas as etapas da compra do veículo estariam ‘contaminadas’ pelas alianças com o ministro. De acordo com o jornal, além da empresa que pertence a amiga, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), que fez o pregão, é comandada por Inaldo Guerra, um apadrinhado político de Nogueira, e a prefeitura de Brasileira é comandada por seu partido, o PP.

Além do caminhão de 240 mil, já foram destinados 11,9 milhões de reais via Codevasf do Piauí, o reduto eleitoral de Nogueira, para a empresa de Carla Morgana, a Mônaco Diesel Caminhões, Ônibus e Tratores Ltda. O valor corresponde ao total da compra de 40 caminhões de lixo. Na ocasião em que a empresa venceu o pregão, Carla já frequentava o gabinete de Nogueira, então senador. O contato seguiu após Nogueira virar ministro. A empresária foi, inclusive, uma das convidadas do evento de posse na pasta. Além do ministro, ela também manteve agendas com Eliane Nogueira (PP-PI), mãe do ex-senador e suplente na sua vaga.

Procurados, Ciro Nogueira e Carla Morgana Denardin não responderam aos questionamentos do jornal. Já a prefeita Carmen Gean (PP) alegou que o pedido de reajuste no valor do caminhão foi feito pela empresa e teve a concordância da Codevasf.

“Não houve qualquer irregularidade por parte da prefeitura”, afirmou a prefeita, complementando que os técnicos da Codevasf seriam ‘rigorosos’ neste sentido.

O ‘bolsolão do lixo’

A distribuição de caminhões compactadores de lixo é usada por senadores, deputados e prefeitos para ganhar a simpatia e o voto dos eleitores de cidadezinhas pobres, onde a chegada desse tipo de auxílio é visível e faz enorme diferença. Até agora, o governo já destinou 381 milhões de reais para essa finalidade. A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo identificou indícios de pagamentos inflados de 109 milhões de reais.

A diferença dos preços de compra de modelos idênticos, em alguns casos, chegou a 30%. Em outubro passado, por exemplo, o governo adquiriu um modelo de caminhão por 391 mil reais. Menos de um mês depois, aceitou pagar 505 mil reais pelo mesmo veículo.

Há casos também em que o governo recebeu veículos menores do que o comprado sem reaver a diferença de preço. Um município de 8 mil habitantes ganhou três caminhões compactadores num período de um ano e três meses, enquanto cidades próximas não têm nenhum. Até um beneficiário do auxílio emergencial ganhou licitações para fornecer caminhões de lixo para o governo.

Do jeito que está montada, a compra dos caminhões pelo governo para atender sua base no Congresso não segue nenhuma política pública de saneamento básico e não garante todas as fases da coleta de lixo. Caminhões são destinados a pequenas cidades sem qualquer plano para construção de aterros sanitários, como determinado em lei. No Piauí, por exemplo, o lixo coletado é jogado em terrenos a céu aberto em 89% das cidades. Mesmo assim, a prioridade dos políticos do Estado foi a aquisição dos veículos.

Especialistas em gestão de resíduos não recomendam a utilização desses equipamentos mais potentes em municípios com menos de 17 mil habitantes. Os caminhões são caros, demandam funcionários preparados para operá-los e têm alto custo de manutenção – reparos no compactador precisam ser feitos em oficinas especializadas.

Um estudo de auditores do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro considera o uso de caminhões compactadores em cidades com menos de 17 mil habitantes “desaconselhado sob a ótica financeira”. O adequado para essas cidades seria o uso de caminhões caçamba.

A compra de caminhão compactador de lixo disparou em 2020, logo depois que o Centrão tomou conta do governo Bolsonaro. Foi no mandato do atual presidente que órgãos como a Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e, principalmente, a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) intensificaram a aquisição dos veículos.

Ao longo do governo, foram licitados 1.048 caminhões compactadores de lixo pelas empresas controladas por apadrinhados do Centrão. O número saiu de 85 em 2019 para 510 em 2020 – um aumento de 500%.

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