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“Associação criminosa”: CPMI do 8 de Janeiro pede indiciamento de Bolsonaro e militares

A relatora Eliziane Gama também relacionou crimes a Anderson Torres, Mauro Cid, Augusto Heleno e Silvinei Vasques

Foto: Reprodução/IstoeBolsonaro e militares
Bolsonaro e militares

A relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os atos criminosos do 8 de janeiro, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), pediu o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em seu relatório apresentado na manhã desta terça-feira (17). 

“É de conhecimento notório que Jair Messias Bolsonaro nunca nutriu simpatia por princípios republicanos e democráticos. Prova disso é a extensa documentação trazida ao conhecimento desta CPMI e que comprova tais fatos”, escreveu a congressista em seu relatório. 

“Como citado em outros pontos do relatório, Bolsonaro fez inúmeras lives durante o exercício do mandato de presidente, questionando o sistema eletrônico de votação, ocasiões em que sequer apresentava fundamento técnico ou fático concreto. Em uma das lives, Bolsonaro vazou o teor de um processo sigiloso em que apurava a invasão dos sistemas do TSE.”


'Cupim'

A relatora disse que o ex-presidente foi o mentor dos atos de vandalismo do dia 8. “Visto como figura ‘mítica’ por seus apoiadores, Jair Bolsonaro se utilizou como pôde do aparato estatal para atingir seu objetivo maior: cupinizar as instituições republicanas brasileiras até a seu total esfacelamento, de modo a se manter no poder, de forma perene e autoritária.”

“O então presidente tem responsabilidade direta, como mentor moral, por grande parte dos ataques perpetrados a todas as figuras republicanas que impusessem qualquer tipo de empecilho à sua empreitada golpista. Agentes públicos, jornalistas, empresários, militares, membros dos Poderes: todos sofreram ataques incessantes por parte de Jair Bolsonaro e de seus apoiadores, muitos deles ocupantes de cargos públicos, que se utilizavam da máquina estatal para coagir e agredir pessoas.” 

Logo depois, a senadora relembrou o depoimento do hacker Walter Delgatti Neto à CPMI, em 17 de agosto. Na ocasião, Neto afirmou que o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira facilitou o acesso à sede da pasta, em Brasília, e aos funcionários especialistas em tecnologia da informação para tentar criar um código-fonte falso das urnas eletrônicas a fim de fraudar as eleições presidenciais de 2022. 

A ponte entre Paulo Sérgio Nogueira e Walter Delgatti Neto teria sido feita pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro após uma reunião no Palácio do Alvorada, em 10 de agosto do ano passado. “A conversa foi bem técnica até que o presidente me disse: a parte técnica eu não entendo, vou te enviar para o Ministério da Defesa, por meio do general Marcelo Câmara, e lá você explica, a despeito da resistência de Marcelo Câmara em levá-lo”, disse Walter Delgatti Neto.   

“Ele me disse que eu estaria salvando o Brasil. Nisso essa conversa foi evoluindo e chegou na parte técnica. Recebi garantia de proteção, receberia um indulto do presidente. Com as cautelares de proibição de acessar a internet que eu tinha, foi oferecido esse indulto.” 

Eliziane Gama afirmou que Bolsonaro deve ser indiciado pelos crimes de associação criminosa, violência política, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, todos do Código Penal, por condutas dolosas, ou seja, quando há a intenção de praticar os crimes. 

Silvinei Vasques, Marília Ferreira de Alencar e Anderson Torres 

No relatório, a senadora ainda afirmou que existem “fartos indícios” de que o ex-presidente fez uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF) “para monitorar os locais, especialmente na região Nordeste, onde o candidato Luiz Inácio Lula da Silva, no primeiro turno do pleito de 2022, teria tido maior votação”, numa “verdadeira forma de violência política”. 

No segundo turno da votação, a PRF, sob o comando do ex-diretor Silvinei Vasques, realizou cerca de 500 operações rodoviárias, com bloqueio de estradas, principalmente na região Nordeste. Os locais em que foram realizadas as blitzes estavam reunidos em uma planilha confeccionada pela ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça, Marília Ferreira de Alencar. Ela disse à Polícia Federal que entregou uma planilha impressa com o mapa de votação de Lula e Bolsonaro, por município, ao então ministro da Justiça Anderson Torres. 

Dados do Ministério da Justiça apontam que a corporação fiscalizou, entre os dias 28 e 30 de outubro, 2.185 ônibus no Nordeste, 893 no Centro-Oeste, 632 no Sul, 571 no Sudeste e 310 no Norte. Quanto às diárias pagas no primeiro e no segundo turnos, em 2 de outubro, foram aplicados R$ 500 mil, enquanto no dia 30 do mesmo mês foram cerca de R$ 13 milhões. 

Tanto Marília Ferreira de Alencar quanto Silvinei Vasques também foram alvos de sugestão de indiciamento pela relatora Eliziane Gama. 

A senadora argumentou, inclusive, que Marília demorou para agir em 8 de Janeiro, enquanto subsecretária de inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, cargo que ocupou após sair do Ministério da Justiça. Foram sugeridos contra Marília os crimes de associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado. Da mesma maneira, Eliziane Gama sugeriu os crimes de associação criminosa, prevaricação, crimes de peculato, advocacia administrativa, frustração do caráter competitivo da licitação, contratação inidônea e violência política. 

Contra Anderson Torres, foram associados os crimes de associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado. Além de ter sido “diretamente responsável pela realização das blitze na região Nordeste no segundo turno”, a senadora afirmou que, no geral, “Anderson Torres aderiu subjetivamente à vontade de Jair Messias Bolsonaro na intentona golpista”. 

A congressista também escreveu que Torres “tentou cooptar peritos criminais da Polícia Federal para produzir eventuais elementos probatórios contra a segurança das urnas eletrônicas, no mesmo dia em que Jair Bolsonaro publicava conteúdos questionando a segurança do pleito eleitoral, anunciando que eleição sem voto impresso seria fraude”.  

Mauro Cid 

Como esperado, a senadora também sugeriu o indiciamento de Mauro Cid, pelos crimes de associação criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, “a título de dolo, por aderir subjetivamente às condutas criminosas de Jair Messias Bolsonaro e demais indivíduos em seu entorno, colaborando decisivamente para o desfecho dos atos do dia 8 de janeiro de 2023”.

A Polícia federal encontrou no celular de Mauro Cid mensagens trocadas entre oficiais do Exército e reservistas sobre o papel das Forças Armadas contra o resultado das eleições presidenciais do ano passado. Além disso, foi encontrada a minuta de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que poderia embasar um golpe de Estado. 

Nas mensagens encontradas, um dos interlocutores de Mauro Cid foi o coronel do Exército Jean Lawand Junior, que também é alvo de sugestão de indiciamento no relatório de Eliziane Gama.  

“Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele [Bolsonaro] dê a ordem que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses caras não cumprir a ordem do, do Comandante Supremo. Como é que eu vou aceitar uma ordem de um General, que não recebeu, que não aceitou a ordem do Comandante. Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer", disse Lawand em um dos áudios enviados a Mauro Cid, em 30 de novembro de 2022, segundo transcrição da PF. 

Algumas semanas antes, em 13 de novembro de 2022, o sargento do Exército Luis Marcos Dos Reis, que esteve nos atos golpistas em 8 de janeiro, afirmou que “é mais fácil” ele ajudar as manifestações de bolsonaristas que estavam ocorrendo em frente ao quartel-general do Exército de Goiânia “do que tirar [os caras] de lá”.

Luís Marcos dos Reis também foi alvo de sugestão de indiciamento. Ele compartilhou, no dia dos atos golpistas, “diversas filmagens das manifestações na esplanada dos ministérios juntamente com sua esposa e um de seus filhos. Além de realizar as filmagens, ele realizou o compartilhamento com alguns contatos de seu telefone. A seguir serão expostas algumas imagens extraídas dos vídeos gravados e as conversas em que esse conteúdo foi compartilhado”, afirma a PF em laudo. 

Outros indiciamentos 

Augusto Heleno, que ocupava o posto de chefia do Gabinete de Segurança Institucional; 

Walter Souza Braga Netto, ministro da Defesa durante o governo Bolsonaro; 

Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, também general de Exército, que foi ministro da Defesa no período de 1º de abril de 2022 a 31 de dezembro de 2022; 

Marco Antônio Freire Gomes, comandante-geral do Exército brasileiro entre março e dezembro de 2022; 

Almir Garnier Santos, almirante de esquadra que foi comandante da Marinha de 9 abril de 2021 a 30 de dezembro de 2022, do então governo de Jair Messias Bolsonaro; 

Luiz Eduardo Ramos, general de Exército que foi ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República do governo de Jair Bolsonaro. Também ocupou os cargos de ministro-chefe da Secretaria de Governo e ministro-chefe da Casa Civil. 

A senadora sugeriu também o indiciamento de membros do Gabinete de Segurança Institucional, da Polícia Militar do Distrito Federal, bolsonaristas que financiaram os atos golpistas do 8 de janeiro e parlamentares, como a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). 
 

Com informações do Brasil de Fato

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