Política

Em artigo, New York Times diz que Forças Armadas têm que decidir se estão com Bolsonaro ou com a democracia

Bolsonaro não só promove a quebra da disciplina no exército, mas também ameaça impedir a organização das eleições do próximo ano

  • sexta-feira, 23 de julho de 2021

Foto: VejaJair Bolsonaro e os militares
Jair Bolsonaro e os militares

Por Gaspard Estrada, no New York Times 

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, está estimulando uma ruptura institucional na segunda maior democracia das Américas, de forma semelhante ao que Donald Trump tentou nos Estados Unidos.

Bolsonaro não só promove a quebra da disciplina no exército, mas também ameaça impedir a organização das eleições do próximo ano. Todos esses fatos dão mostras de uma democracia ameaçada com intensidade crescente. E o problema é que no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, os escalões superiores das Forças Armadas tiveram um papel central nesse objetivo, muitas vezes apoiando os ataques autoritários do capitão aposentado.

Foram tantas as linhas vermelhas cruzadas pelo governo de extrema-direita no Brasil que é difícil perceber em qual momento se está diante do inaceitável. Porém este é o momento.

O Brasil vive um processo acelerado de degradação institucional. Em questões tão relevantes como meio ambiente, justiça, relações exteriores, educação ou cultura, o Estado brasileiro tem sido progressivamente corroído pelo bolsonarismo.

Entretanto, poucos setores foram tão duramente atingidos como o Exército e a Defesa nacional. Portanto, se as Forças Armadas querem manter o respeito às leis e à Constituição, devem decidir se estão com o Bolsonaro ou com a democracia.

Após a chegada de Bolsonaro ao poder, em 2019, segundo reportagens de jornais, nada menos que 6.000 oficiais ocupam atualmente cargos governamentais que deveriam ser ocupados por civis. Durante seu mandato, as forças militares deixaram os quartéis para ocupar cada vez mais espaços de poder. E para alguns deles, também, tem sido uma oportunidade de enriquecimento. O setor de saúde é um bom exemplo.

Nesse momento em que a prioridade deveria ser cuidar da pandemia, especialistas em saúde pública foram substituídos em cargos de chefia no Ministério da Saúde (que tem o segundo maior orçamento do governo) por generais ou membros do Exército. Esses últimos, junto com funcionários apadrinhados por políticos do centrão, a aliança de direita e centro-direita que apóia Bolsonaro no Congresso, minaram as políticas de saúde pública que funcionaram por décadas.

Algumas delas, como o Programa Nacional de Imunizações, foram criados durante a ditadura militar. Outras, como o Sistema Único de Saúde, o foram pela Constituição democrática de 1988. Ambos permitiram ao Brasil ser um dos líderes mundiais na vacinação em massa, como em 2009, quando conseguiu vacinar 88 milhões de pessoas em três meses contra o vírus H1N1.

Graças a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e ao trabalho da imprensa, se está tornando público o caráter corrupto dessas novas políticas: desvio de recursos destinados à compra de vacinas em favor do orçamento para manutenção de aeronaves do Exército, bem como fortes indícios da participação de militares da ativa e da reserva na compra de vacinas superfaturadas, incluindo o ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, general Eduardo Pazuello.

As altas autoridades militares têm exigido publicamente a impunidade para os seus. Ao fazer isso, o Exército dobra sua aposta em favor dos desejos golpistas de Bolsonaro e contra a democracia brasileira.

Antes de ingressar em uma aventura não democrática, os militares devem considerar que o Bolsonaro está cada vez mais impopular.

Pela primeira vez em sua presidência, mais da metade dos brasileiros rejeita seu governo, de acordo com uma pesquisa do Datafolha, e 62% deles se opõe à participação militar em manifestações políticas.

Mas os militares tomaram gosto por se manifestar politicamente (mesmo que seja ilegal) como, quando em 2018, um alto comandante militar pressionou o Supremo Tribunal Federal pelo Twitter para encarcerar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O apoio público de vários militares do Exército a um líder que, diante de um cenário eleitoral cada vez mais adverso, sonha em se eternizar na presidência, pode ajudar a acabar com a democracia.

Prevenir esse desfecho trágico deve ser o trabalho de todos os democratas. Os parlamentares brasileiros deveriam aprovar o projeto de lei que proíbe a contratação de militares da ativa para cargos civis e que recebeu o apoio de inúmeros ex-ministros da Defesa, e não ceder às chantagens de Bolsonaro e seus operadores.

Qualquer iniciativa que tente questionar a realização das eleições presidenciais de 2022, a modificação do sistema eleitoral ou do regime político (como a adoção do voto impresso ou do regime semi-presidencialista) deve ser repudiada pelo Congresso, pelo Judiciário e pela sociedade civil.

Ao apoiar cegamente um governo que realiza um dos processos mais extremos de destruição da democracia no mundo, as Forças Armadas correm o risco de se tornarem indelevelmente associadas a ele. E, ao se colocarem a serviço de uma família em vez de trabalharem para o Estado brasileiro, podem levar a uma quebra generalizada da cadeia de comando estimulada pelo próprio Bolsonaro, principalmente se for derrotado nas urnas no próximo ano.

Ao contrário da década de 1960, quando Washington apoiou um golpe militar que levou a uma ditadura de 21 anos no Brasil, o governo Bolsonaro está agora politicamente isolado no hemisfério e no mundo.

Os altos comandantes militares, por sua vez, teriam que entender que é hora de defender a democracia. A experiência traumática da ditadura militar é um lembrete do que nunca deve acontecer novamente. As Forças Armadas, em particular, não devem esquecê-lo.

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