Antonio José Medeiros

Aí vem uma “nova normalidade”, em quase todas os campos de nossa convivência, diz AJM

  • quarta-feira, 29 de abril de 2020

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Antonio José Medeiros

 

Publicado no jornal O Dia em 22/04/2020

            Estamos impacientes com o isolamento social. Calma, ainda vamos passar pela fase do distanciamento nos espaços abertos. E quando a normalidade chegar vai ser uma “nova normalidade”, em quase todas os campos de nossa convivência.

            Alguns imaginavam que no futuro todo mundo andaria de máscara ou com respirador, mas devido à poluição. Por esse lado, a imagem não é de ficção científica, pode acontecer; mas não tem muito a ver com a pandemia atual.

            Com os incômodos e riscos criados pelas grandes concentrações, com certeza, as grandes cidades e os edifícios de muitos andares perderão mais ainda seu encanto. Será um processos lento, pois ninguém vai começar a demolir prédios.

As transformações que vieram pra ficar são aquelas provocadas pela continuidade da revolução da telemática. A crise da pandemia apenas realçou sua presença, sua importância e aponta para sua persistência.

No mundo do trabalho, em especial no setor serviço, se ampliarão as “tarefas” feitas em casa e as reuniões com uso de aplicativos específicos; no comércio, a tele-demanda e a pronta entrega vão continuar se expandindo de restaurantes e supermercados para quase todos os ramos; talvez avance mais lentamente a telemedicina; e assim por diante. Ora, a Educação não é uma ilha: assimilará cada vez mais os impactos do que no âmbito escolar é chamado de TICs (tecnologias de informação e comunicação). Mas, refletindo bem, a questão é mais ampla e profunda do que o avanço da educação à distância.

Educação é socialização e a revolução da telemática influencia cada vez mais as próprias formas de sociabilidade. Seu impacto não é apenas socioeconômico, é sociocultural, psicológico, enfim, de formação das personalidades, de construção das identidades.

Se, no último século, a escola se tornou hegemônica na socialização das pessoas (educação formal), com um peso maior que as igrejas e a própria família, sua hegemonia está sendo abalada. E talvez, no futuro, não haja uma instituição hegemônica como espaço de socialização privilegiado das novas gerações.

Só para ilustrar, lembro a preocupação dos pais com os filhos grudados no computador ou no celular, jogando horas a fio ou tendo acesso “ao que não deve”. Estão aí os milhares de podcasts religiosos e de auto ajuda, ao lado das minoritárias temáticas científicas, culturais, artísticas. E namoros e casamentos começam pela internet...

O espaço familiar, se recompondo algumas vezes e assumindo diferentes formas, está recuperando um papel de suporte psicológico. Não creio que a escolarização doméstica (homeschooling) se imponha, sobretudo depois da primeira infância, mas com o trabalho em casa e uma inevitável redução da jornada de trabalho os pais ficarão mais tempo com os filhos pequenos.

As religiões e suas mais diversas formas de igreja também tem recuperado espaço na vida das pessoas, diante da crise de sentido que as civilizações enfrentam a essa altura da modernidade. O niilismo das elites tornou-se uma “cultura rasa” das massas; por isso há um risco de fundamentalismo e manipulação. O consumismo e o entretenimento não estão dando conta do recado, embora ainda sejam o principal instrumento de diluir a cultura nos assuntos do dia.

 Talvez o elemento espiritual, um certo re-encantamento do mundo, ajude a dar sentido às existências individuais e à convivência humana. Por aí pode vir uma mudança civilizatória com mais fruição da vida e mais solidariedade, mesmo na precariedade e contingência da condição humana. A percepção da ameaça ecológica, semelhante ao medo que a pandemia tem provocado, pode ajudar. É isso mesmo, muita coisa convergindo, senão não se produz nova civilização. Civilização é sentido, é imaginário; e a evolução tecnológica não responde à busca de sentido.

A educação escolar já enfrenta essa questão ao definir seus projetos político-pedagógicos. Há bastante consenso em torno de habilidades intelectuais; mas isso não acontece com relação a competências e habilidades na área da afetividade e dos valores. Não sei nem se dá pra falar em competências e habilidades nessas áreas, onde o pessoal, o autônomo e o criativo têm papel fundamental, irredutível à influência dos fatores externos.

 As culturas nacionais não respondem mais e ainda não criamos uma identidade como Humanidade, base para uma cidadania planetária. A revolução da telemática tem implodido as Nações; porém, suas potencialidades para criar novas solidariedades e identidades têm sido pouco utilizadas. Só provocando: quando a LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) será substituída por uma LDBEU (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Universal)? O velho Kant sonhava com isso no início dos 1800.

O grande desafio é combinar processo civilizatório de tendência universalizante com o multiculturalismo de tendência particularizante. O que implica tolerância, autonomia e espírito crítico e autocrítico. Talvez esse seja o papel da escola como “núcleo catalizador”, que não existe sem espaço físico, mas que vê esse espaço como um ponto nodal numa rede múltipla. Ser catalisador não é ser hegemônico, mas é ter protagonismo especial. Catalisar é potencializar as interações.

É nesse contexto que deve ser repensada a escola como instituição e como espaço físico. É nesse contexto que se redefinirá o novo lugar do professor, redefinição feita com a participação dos próprios professores.

É nesse contexto enfim, que deve ser pensado a combinação de educação presencial e à distância, entre livro e outros conteúdos virtuais, entre tele-aulas (chamadas no Piauí de mediação tecnológica) e plataformas, etc.  Vamos aprender com a crise para os tempos pós-crise.

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