Meio Ambiente

A mãe que não permitiu que os filhos tivessem sede

Seu Almir conta a história da Mãe d'água, grotão na Serra das Confusões que matou a sede de Guaribas.


Foto: Renato Rodrigues/Pensar PiauíSerra das Confusões e suas cores ao amanhencer
Serra das Confusões e suas cores ao amanhencer

Eram 6h30 da quarta-feira (8) quando deixamos Bom Jesus e rumamos em busca da estrada de Santa Luz. A equipe do Ministério do Desenvolvimento Social, Seplan e Sasc, que se deslocava para colher, junto à comunidade, a melhor forma de construir o programa de Mobilidade Socioecômica para a região. Paramos em uma padaria e com bolo de milho recém-saído do forno, tomamos café, enquanto seu Carlos, motorista que nos guiava, perguntava quantos quilômetros percorreríamos até chegar em Guaribas. 

Deixamos o local por volta das 8h e depois de um curto trecho em calçamento, pegamos a estrada real, cheia de percalços em seu terreno de rally. Passamos por poças d’água, paramos quando outros carros vieram, levantamos muita poeira, mas, acima de tudo, nossos olhos se encheram com as formações rochosas que compõem a Serra das Confusões e pareciam nos guiar até nosso destino. 

Eram 10h quando finalmente chegamos ao nosso destino. Subimos o morro e vimos ainda mais de perto, como se tocássemos o céu, a Serra. Com o Sol à tino, suas cores eram avermelhadas, semelhantes à piçarra, ou a cor das telhas depois de moldadas e devidamente secas e logo fomos procurar um local para almoçar e se hospedar. Guaribas, com seus 4.568 habitantes, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2020, parecia calma.

Primeira parada: enterro

A calma não era à toa, sempre há algo pro detrás de um clima que não é movimentado como nos acostumamos nas capitais. Chegamos até a prefeitura e, na ânsia de buscar logos os nomes que poderiam nos levar ainda mais para dentro de Guaribas, fomos banhados por um balde de água fria, que nos fez respirar um pouco. De um lado, nossa principal conexão estava em missão durante todo o dia na comunidade Cajueiro e o acesso ao telefone, já instável, ficou perdido por completo.
 
Este repórter, que queria ouvir todas as histórias possíveis ouviu de dona Maria Joana, uma das funcionárias mais antigas do órgão público que naquele dia seria impossível conversar pois uma moça muito querida pela comunidade, de apenas 20 anos, havia morrido de uma doença autoimune e todos rumariam para seu velório. 

Era o momento de silêncio. E ele precisa ser respeitado

Após a rápida conversa e o acerto entre algumas reuniões, fomos finalmente procurar o rumo do almoço e, assim que chegamos no restaurante de dona Natália, seu Almir parecia que já nos aguardava com seus óculos estilo aviador, um boné e uma camisa de botão branca. Como quem anseia por contar sobre o que já fora construído, ele lembrou do tempo em que Guaribas se abastecia através de um olho d’água. 

Logo seu Almir Correia precisou sair, marcamos de nos ver novamente a noite, para que ele me contasse mais sobre sua história junto ao olho d’água, mas a correria do dia a dia impediu nosso reencontro naquele momento. 

Foto: Renato Rodrigues/Pensar PiauíParte da Serra das Confusões que corta o município de Guaribas
Parte da Serra das Confusões que corta o município de Guaribas

No dia seguinte, quinta-feira (9), com uma boa parte da comunidade reunida na Câmara de Vereadores de Guaribas, pude conhecer seu filho. Procurei por Almir, mas não o via, momento em que me informaram que ele estava na roça, cuidando na vida. Ligações foram feitas, mensagens foram enviadas, até que em uma saída de moto, o recado chegou até ele. Já sem boné, com os olhos apertados pelo Sol, pegamos duas cadeiras e nos sentamos do lado de fora do prédio público para que ele contasse a história de uma vida.

“A velha mãe que nos criou”

Seu Almir é um filho de Guaribas, mas, mais que isso, ele teve um papel fundamental em um período em que a cidade ainda longe de ter água encanada, organizando e guardando o grotão há mais de 30 anos. Com um poço construído pela Congregação Cristã no Brasil em 2001, a vazão não dava conta da necessidade do povo naquele momento. 

“Eu tenho 56 anos e sou residente de Guaribas, nasci e me criei aqui. Nossa vida era muito sofrida. Em 2001, a Congregação Cristão no Brasil veio até Guaribas para construir uma igreja, viu nossa dificuldade e construiu um poço, mas a vazão dele era muito pequena, não dava para cobrir a necessidade da população”. 
O poço construído pela igreja era um complemento à Mãe d’água, aonde Almir era voluntário na organização da distribuição. Também voluntário no novo poço, eram aproximadamente 300 litros d’água por dia, o que não dava conta de toda a Guaribas e abastecia cada família com 40 litros dia sim, outro não. 

Foto: Renato Rodrigues/Pensar PiauíAlmir Correia, guardião das águas de Guaribas
Almir Correia, guardião das águas de Guaribas

Seu Almir não sabe da onde surgiu o nome Mãe d’água, ele nos contou que essa denominação é mais antiga que ele. Usualmente utilizado por adeptos de religiões de matriz africana para se referir a Yemoja e Oxum, divindades que guardam as águas, Guaribas não têm em seus registros nenhuma comunidade de terreiro ou quilombola, de acordo com a Superintendência Cepro, da Secretaria de Planejamento do Piauí (Seplan).

As questões de água na zona urbana de Guaribas melhoraram em 2005, ainda no primeiro governo Wellington Dias (PT) no Piauí. Através de um convênio com a Companhia de Pesquisa dos Recursos Minerais (CPRM) e o Ministério das Cidades, foi possível perfurar um posso de 700 metros de profundidade, que custou R$ 1 milhão à época. Seu Almir relembra este dia.

“No dia que o governador Wellington Dias veio aqui ele pediu que nós nunca esquecêssemos aquela velha mãe que nos criou. Quando eu vejo Lula falar sobre a mãe dele, eu me recordo da mãe que nós tivemos aqui. Muitos jovens se esqueceram dessas palavras”, relatou. 

Atualidade

Hoje, o grotão localizado na encosta dos paredões do Parque Nacional Serra das Confusões, a Mãe D’Água, está à deriva e nossa reportagem não pôde chegar até a encosta para vê-la. De acordo com o Instituo Água e Saneamento, hoje, 42,05% da população total de Guaribas tem acesso aos serviços de abastecimento de água, abaixo da média do estado, de 78,26%. Na área urbana, este número chega a 74,11% e apenas 28, 97% nas comunidades rurais do município. Os números levantados constam no relatório do sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), criado em 1996 pelo Governo Federal.

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