A imprensa precisa parar de reforçar a ideia de que Neymar é vítima de ódio
Colocar Neymar como uma vítima da naturalização do discurso de ódio é perverso com a população brasileira, massacrada por esse governo apoiado por ele
Por Milly Lacombe, jornalista, via WhatsApp
Somos bons em inverter narrativas. Fazemos isso há 500 anos. Gostamos de dizer, por exemplo, que o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi descoberto; foi invadido e ocupado. A inversão se dá no momento em que arrancamos a terra de quem estava aqui e hoje falamos que são os excluídos que tentam tirar a terra de seus verdadeiros donos.
A todo o instante criamos narrativas que escondem delicadamente a história verdadeira. No limite, essas narrativas se chamam fake news. No momento, a narrativa que tentam construir é a de que Neymar é vítima do ódio. Colegas da imprensa fazem isso, Ronaldo fez isso, Neymar faz isso. A história não é essa e a criação da narrativa de Neymar no papel da vítima é cruel e perversa. Neymar não é vítima de nada. Neymar está lidando com o impacto das atitudes que tomou na vida. Ele se machucou, como tantos se machucam jogando bola, e aí não viu o país se comover coletivamente por ele. Isso o incomodou e em vez de se implicar na situação, como faria um adulto maduro, tentando entender motivos e razões, Neymar escolheu se vitimizar. A carta aberta de Ronaldo reforça esse lugar de menino Ney, o craque injustiçado. Seria decente se Neymar parasse para buscar explicações para não ser unanimidade nacional. Eu ofereço algumas.
Neymar apoia abertamente o presidente mais violento da historia do Brasil. Um presidente cujas políticas econômicas adotadas construíram um cenário de 33 milhões de famintos e 125 milhões de pessoas que não sabem quando vão fazer a próxima refeição. Neymar, que foi acusado pela Receita Federal de tentar driblar o IR, foi multado e correu para o colo de Bolsonaro para ter a multa de R$ 88 milhões suspensa. A princípio, conseguiu o que queria, mas a Receita recorreu. Durante a Copa, a gente ficou sabendo que Neymar comprou a terceira aeronave, no valor de aproximadamente R$ 50 milhões.
Vejam: ele usa o dinheiro dele, que ganhou honestamente por ser um dos maiores atletas da história como bem entender. Mas o povo não é burro e faz a associação entre dívida e abundância de forma direta. Quem tem R$ 88 milhões para pagar de imposto de renda é porque ganhou 100, 200 vezes isso. O número isolado pode parecer enorme, mas ele é um percentual sobre ganhos. Dinheiro de imposto de renda serve para construir hospital, escola, creche. Esse é o Neymar que quer a inconteste solidariedade da nação diante de um tornozelo inchado?
Neymar disse que apoiou Bolsonaro porque tem os mesmos valores que ele. Os valores de Bolsonaro são a homofobia, o machismo, o racismo, a tortura, o estupro como elogio, a aniquilação de quem pensa diferente dele, a simpatia por Hitler, a negação do Holocausto e o acolhimento de sua base nazifascista de apoiadores. Quem compartilha disso é o quê? Neymar apoiou um presidente que dissemina o ódio, a morte, a destruição, a devastação. Apoiando esse monstro, Neymar colaborou para o aumento do discurso de ódio no Brasil.
Colocar Neymar como uma vítima da naturalização do discurso de ódio é perverso com a população brasileira, massacrada por esse governo apoiado por Neymar. Neymar atuou, isso sim, como agente do ódio. Reforçar a vitimização de alguém que apoia esse horror é inverter desonestamente a narrativa. Ninguém desejou que Neymar se machucasse, mas milhões não ligaram quando ele se machucou porque há pelo menos quatro anos ele não liga para os profundos e injustos machucados dessa nação. Essa é a história. O resto, com todo o respeito, é berçário de fake News."