Por Rudá Ricci, cientista social, no twitter
Bom dia. Estive nos últimos dias em Teresina, a terra de Torquato Neto. Torquato, o autor de um dos textos mais lindos que este país já produziu, como "Três da madrugada; Quase nada; A cidade abandonada; E essa rua que não tem mais fim". Farei um fio sobre algo desta viagem.
1) Eu e Alessandra Ávila fomos apresentar às comunidades de Santa Maria da Codipe, um bairro periférico da capital do Piauí, os dados sobre a visita que foram feitas a quase 300 famílias de alunos da rede de ensino municipal.
2) Numa das escolas, estava dona Antônia. Uma senhora franzina, aparentemente frágil, que contou sobre seu périplo para conseguir ajuda médica. Eu ouvia e parecia que o tempo tinha parado. Ela falava dela, mas contava dos cuidados com os filhos.
3) Em meio a esse furacão que é a vida dela, tirou um tempo para estar ali e nos ouvir. Eu fico pensando: mas, afinal, do que é feito esse povo brasileiro? De onde vem essas inúmeras camadas de sofrimento, força e esperança?
4) Ouvir dona Antônia fez fluir fez retornar aquele sentimento de urgência que me movia quando eu era um jovem que se atirou na militância contra a ditadura militar. Naqueles dias, o tempo parou. Tínhamos pouco tempo para tirar o Brasil do horror.
5) A vitória de Lula trouxe a urgência novamente. Fico pensando que o horror da Segunda Guerra e seus campos de concentração não foram suficientes para vacinar os siderados que pegam carona nos parabrisas de caminhão ou se fazem círculo para cultuar um solitário pneu.
6) Como nos tornamos uma país assustado, refém de fascistas que gritam o que querem, bloqueiam estradas como se fossem seu quintal, marcham com suas cabeças de papel à luz do dia? Malucos que passaram por uma lavagem cerebral durante anos: 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021
7) Mas, aí, retornamos às donas Antônias. Ali está o Brasil. Antônia falou de si e dos dados que apresentamos. Perguntou e queria saber como mudar. Não era passiva. Não sentia que falávamos de favor. Ela balbuciava direitos.
8) Apresentamos os dados para a secretaria de educação de Teresina. Gente muito gentil e educada. Mas, entre eles, um novo secretário-executivo da secretaria. Jovem, o tempo todo ao celular. Não perguntou nada. Havia algo que dizia a ele que as Antônias podem esperar.
9) Ontem, estive reunido com a assessoria da deputada Rejane Dias, cotada para ser ministra dos direitos das mulheres. O gabinete ouviu atentamente os dados colhidos, sem olhar uma única vez na tela do celular. E se comprometeu a encaminhar soluções.
Rejane Dias no ministério de Lula
10) Finalmente, almocei com Oscar e Rosângela Sousa. Rosângela foi do Fome Zero e Oscar é jornalista de destaque no Piauí. Comemos um baita peixe do restaurante flutuante do Parque Encontro das Águas.
11) Um breve relato para dizer que o Brasil está se mexendo depois desses anos de inferno que tomou nosso país. Há mais leveza e realmente uma expectativa que, até aqui, parece contida, curtida por tantos desatinos e delírios pelos quais passamos desde 2015.
12) É bom que seja contido porque não será fácil. Mas, o que dói é ouvir as donas Antônias, que retiram força de sua fragilidade. Às vezes, parece que andamos em círculo (que Marx não leia essas linhas): tentamos mudar, mas sempre os donos do poder aparecem para piorar.
13) Temos que ter sentido de urgência. E fazermos melhor do que já fizemos. Se não for por nós, que seja pelas donas Antônias. (FIM)