Pensar Piauí
Economista

Acilino Madeira

Economista

O discurso é um ato solitário, o diálogo tem a natureza da partilha

Foto: Brasil de FatoJair Bolsonaro
Jair Bolsonaro

 

Agora sim, vivemos no Brasil atual, tempos de riscos e grandes incertezas. Em meio aos agravamentos da pandemia do Covid-19 e da crise fiscal, o governo que temos ainda apresenta um quadro de crenças que se liga a um conservadorismo saudoso de heróis nacionais ultraliberais saídos das fileiras das Forças Armadas. Simples que se diga: tudo é uma questão de crença, crença saudosista, conservadora e tardia para o nosso país.

O tipo de capitalismo apregoado pelo governo Bolsonaro continua sendo o imaginado por Donald Trump, de ódio à concertação econômica e aos bons conselhos e ações de uma diplomacia eficiente e eficaz.

Na contramão do capitalismo de concertação ou até mesmo do desenvolvimentismo dos BRICS, a equipe econômica chefiada por Paulo Guedes toma, como ponto orientativo para nortear a economia do setor público, equivocadamente o individualismo metodológico. Individualismo metodológico enquanto crença alimentada pela teoria econômica ortodoxa ou neoclássica de que a racionalidade humana é ilimitada, sem se importar com as imprevisibilidades, os riscos, as incertezas, as externalidades que geram falhas que podem ser esperadas, mas devem ser corrigidas em nome do bem-estar da população.

Na contramão da história, a equipe política do governo Bolsonaro pauta-se pela crença no discurso autoritário. Acontece que a crença no discurso vem perdendo espaço para a crença no diálogo. Com Habermas essa viragem tornou-se uma certeza e que se reflete na retomada do republicanismo já apontado por Alexis de Tocqueville em seus estudos sobre a democracia em terras americanas, ainda no século XIX.

A crença no discurso às vezes respeita à da promessa ou da enganação. Respeita também ao procedimentalismo schumpeteriano de que a democracia é uma máquina de fazer governo. As elites competem pelo voto popular e quanto mais o discurso é bonito e eloquente maior a possibilidade de se ganhar as eleições. Neste diapasão, temas áridos como finanças públicas, democracia participativa, accountability, participação cidadã, políticas ambientais e outras inovações democráticas são afastados do discurso político do já ganhou.

A crença no diálogo é sempre a grande vilã. Esta se pauta na argumentação e argumento não pode se firmar só no tempo lógico ou no hipotético, mas também no tempo histórico e na cultura política que se quer manter ou mudar. O interesse imediato do discurso é pela decisão a todo o custo. Não importa se a promessa é vazia de conteúdo de cidadania. Importa ganhar e pronto. O discurso é sempre um ato solitário ou de quem tenta impor uma realidade, muito embora tal realidade seja construída por sobre uma intenção individual ou de pequenos grupos sequiosos por manter o status quo.

O diálogo tem a natureza da partilha e da exposição de interesses múltiplos no espaço público. Nele não deve caber somente a prevalência da retórica majoritária e hegemônica. No diálogo cabe a troca de razões públicas e não privadas. Todos têm direito ao exercício da argumentação e não há um vencedor magnânimo e idolatrado. Assim, não se constrói a legitimidade democrática.

Quando a legitimidade democrática não é respeitada, o poder gera desconfiança e a liderança pode ser forjada ou no mínimo incapaz de gerir o patrimônio público no âmbito do constitucionalismo financeiro ou da prestação de contas à sociedade, tudo vira ato discricionário e o respeito às regras constitucionais pode ser sublimado em nome de um populismo descabido e descontextualizado.

O governo discursivo de Bolsonaro enviesou e isolou o Brasil no campo diplomático. Temos dificuldades de vender nossas commodities (soja e proteína animal) desvinculadamente da pauta de preservação ambiental. Temos também dificuldades de comprar o insumo básico (IFA), ou seja, o princípio ativo das vacinas.

O discurso doentio de Bolsonaro amordaçou as boas práticas diplomáticas brasileiras e negativou nossa atuação no comércio exterior. Que a prática dialógica renasça no Brasil e que se marque a crença no discurso bolsonaristas com um ponto final.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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