Educação

Um fiasco e um erro gigantesco que o Brasil está a ponto de cometer

Brasil lançará um plano de “digitalização das escolas públicas” sob a tutela do MEC, equivocado do ponto de vista teórico pedagógico e político


Foto: Luis Fortes/MECCamilo Santana
Camilo Santana

Por Fernando Horta, colunista no 247

Ontem, ocorreu em Montevideo, no Uruguai, o lançamento do Relatório mundial da Unesco sobre a relação entre a educação e a tecnologia. Foi a primeira vez que tal assunto teve um tratamento científico aberto e organizado pela UNESCO. Foi a primeira vez também que a América Latina foi palco deste evento. O Uruguai é hoje, indiscutivelmente, o país mais avançado nestes temas em toda a América Latina. Lá, presente, o ministro Camilo Santana foi muito mal preparado e conseguiu fazer uma fala CONTRÁRIA ao que todo o relatório e o evento procuravam estabelecer.

Para piorar, não apenas o Brasil está ao revés do que o mundo está fazendo nessa questão, como está a um passo de entregar a soberania brasileira às empresas internacionais.

Explico.

O relatório faz uma série de estudos quantitativos e comparativos sobre a interface entre educação e tecnologia e chega a cinco conclusões importantes.

Que não é clara a relação causal entre tecnologia e melhorias na educação. Ou seja, investir pesadamente em tecnologia, conectividade e etc. NÃO SIGNIFICA melhora sensível na educação.

As tecnologias na educação – ao contrário do que se defendia antes – não criam situações de diminuição de desigualdade, mas AUMENTAM a desigualdade na educação, especialmente se são implementadas de cima para baixo.

A tecnologia, tomada por uma aproximação tecnicista, ou seja – como um fim em si mesma – promove EXCLUSÃO de pessoas.

A velocidade do desenvolvimento das indústrias digitais NÃO é suportada pelos sistemas de educação, e ameaçam as soberanias dos países.

O conteúdo ONLINE na educação cresceu muito também em função do período da pandemia, mas é ruim em termos de qualidade, e mal utilizado pelo mundo todo, e não apenas nos países do sul global.

Logo no início da apresentação, o painel da UNESCO avisa que pesquisas sérias na área de educação e tecnologia já identificaram que os dados disponibilizados pelas indústrias de tecnologia não são corretos. Há DIVERGÊNCIAS entre as pesquisas (e os dados) feitas, pagas ou sustentadas pelas empresas de tecnologias e os grupos de verificação politicamente mais distantes. Ou seja, TODO O PAINEL tem o objetivo de questionar o uso da tecnologia como sustentáculo para “melhorias” educacionais, e questiona a direção que as indústrias digitais estão dando para o desenvolvimento tecnológico.

O painel pede moderação no uso e mesmo no gasto tecnológico na educação. Pede que se inverta o eixo do uso das tecnologias (que hoje de do centro para os territórios), para que se passe a valorizar os conhecimentos nos territórios e use a tecnologia como SUPLEMENTAÇÃO de políticas educacionais que sempre existiram e foram bem-sucedidas antes das revoluções digitais. Os dados mostram que os professores seguem sendo a chave do processo educacional e que os países precisam se preocupar com a soberania digital.

A UNESCO assegura que as tecnologias digitais NÃO VÃO substituir os professores, mas professores que consigam integrar suas estratégias com o desenvolvimento das tecnologias digitais substituirão os professores “analógicos”.

De uma maneira geral o relatório é um DESASTRE para o MEC. Que o MEC carece de projetos sólidos para educação brasileira é algo que este articulista já avisa e defende há muito tempo, mas, pela primeira vez o mundo avisa que a abordagem tecnicista (como a do MEC) está EQUIVOCADA e pode provocar gastos gigantescos além de não trazer resultados.

Um exemplo disso, que está quase acontecendo, é o plano de “digitalização” das escolas públicas. AQUI VAI UMA DENÚNCIA. O presidente Lula PRECISA saber que está a ponto de cometer um enorme erro que terá consequências desastrosas para o país. Estão vendendo ao presidente que a digitalização das escolas é solução para os problemas da educação brasileira. E não é.

Recentemente o MEC encaminhou uma “diretriz técnica” para que se COMPRE acesso às mais de 138 mil escolas públicas no Brasil com uma velocidade de conexão de 1 megabit por segundo. Essa “diretriz técnica” que foi vendida ao presidente como algo bom, vai deixar 99% das empresas brasileiras fora da licitação bilionária e vai entregar toda região norte no colo das empresas do Elon Musk.

Não apenas NADA JUSTIFICA essa exigência, e o relatório da UNESCO mostra que se deve abortar esse tecnicismo de mercado na educação, como também o uso do MEC para disfarçar acordos políticos duvidáveis precisa ser investigado. Usar a desinformação ao presidente, em alto nível, para mentir que determinados padrões são necessários, e inverter verba pública para colocar um plano de digitalização da educação que é COMPLETAMENE CONTRÁRIO a tudo o que hoje se entende sobre educação e tecnologia não pode ser tomado como um “equívoco”, mas sim como um erro de política pública que ainda se pode reverter.

O discurso do ministro foi tremendamente rasteiro e de senso comum, falou exatamente o contrário do que todos os outros líderes internacionais, não trouxe qualquer plano educacional viável e ainda desnudou a pobreza dos projetos do MEC, citando ideias já questionadas e mesmo ultrapassadas como “novidades” do governo Lula. Que o ministro não conheça esses temas é algo normal, já que não é da área e está mais preocupado com as grandes discussões políticas do Brasil, mas imaginar que o MEC não tenha assessorado o ministro de forma correta é realmente absurdo.

Para concluir, em um mês o Brasil está a lançar um plano e “digitalização das escolas públicas” sob a tutela do MEC que não apenas é equivocado do ponto de vista teórico pedagógico, como também é um erro gigantesco de política e projeto público de educação soberana para o país. E pior, vai acabar com qualquer forma de soberania brasileira sobre a região amazônica, já que a única empresa que estará apta a oferecer as “exigências técnicas” do MEC será a Starlink de Elon Musk. 

Este artigo não representa, necessariamente, a opinião do Pensar Piauí 

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