Trump ameaça Brasil e defende tarifas em discurso no Congresso
Falsa alegação de protecionismo do Brasil contrasta com dados comerciais, que mostram tarifa média de 2,7% e um superávit americano superior a US$ 200 bilhões

Na noite de terça-feira (4), Donald Trump usou a tribuna do Congresso para realizar um discurso que mais se assemelhou a um “comício” voltado para sua base, repleto de desinformação e um dos mais longos da história. Este foi o primeiro discurso do republicano para os congressistas desde sua posse. Durante sua fala, Trump voltou a ameaçar a anexação de territórios como o Panamá e a Groenlândia, criticou políticas de diversidade e aprofundou sua retórica radical, além de defender tarifas comerciais contra o Brasil, alegando de forma errônea que o país cobra tarifas “injustas” dos Estados Unidos.
Trump citou o Brasil como exemplo de protecionismo, mas os números refutam essa alegação. De acordo com a Câmara de Comércio Brasil-EUA, a tarifa média aplicada pelo Brasil aos produtos americanos é de apenas 2,7%, enquanto os Estados Unidos mantêm um superávit de mais de US$ 200 bilhões na balança comercial com o país.
Em seu discurso, Trump reclamou: “Outros países usaram tarifas contra nós por décadas, e agora é a nossa vez de começar a usá-las contra eles. A União Europeia, China, Brasil e Índia, México e Canadá, entre outras nações, cobram tarifas muito mais altas do que cobramos deles. Isso é injusto.”
No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil foi novamente mencionado como alvo potencial de tarifas, o que pode indicar que o país enfrentará medidas protecionistas ou, no mínimo, pressão da Casa Branca para negociar. Trump mesclou promessas expansionistas, revisionismo histórico e retórica protecionista. Ele também evocou um tom messiânico ao afirmar ter sobrevivido a um atentado em 2024 para “tornar os EUA grandes novamente”, enquanto ameaçava a anexação de territórios ao redor do mundo.
Embora os mercados tenham reagido com queda devido à escalada do risco de uma guerra comercial, Trump intensificou a defesa das tarifas contra aliados e adversários. Sem apresentar dados concretos, ele alegou que empresas estrangeiras estavam transferindo suas fábricas para os Estados Unidos para evitar as barreiras impostas por sua administração.
De acordo com o colunista Jamil Chade, do UOL, as tarifas protecionistas devem entrar em vigor em 2 de abril. Trump afirmou: "O que eles nos colocarem de tarifas, colocaremos neles." Sua defesa das tarifas aconteceu no mesmo dia em que Canadá, México e China anunciaram medidas de retaliação contra os Estados Unidos, intensificando uma disputa comercial que pode gerar incertezas na economia global.
A menção ao Brasil ocorreu duas semanas depois de a Casa Branca usar o país como exemplo para endurecer sua política comercial. Em 14 de fevereiro, Trump anunciou um plano de aumento de tarifas e adoção de medidas de reciprocidade contra seus principais parceiros comerciais, com o Brasil sendo apontado como alvo das novas tarifas devido às barreiras impostas ao etanol americano.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, o Brasil havia eliminado as tarifas sobre o etanol dos EUA, mas no início do governo Lula, o produto passou a ser taxado em 18%.
Protestos de congressistas
Durante seu discurso, Trump enfrentou protestos de parlamentares democratas. Quando ele entrou, a deputada Melanie Stansbury levantou um cartaz com a inscrição "Isso não é normal". O congressista Al Green, do Partido Democrata, foi retirado da cerimônia em Washington, D.C., após protestar contra o discurso de Trump.
Comércio Brasil-EUA
Os Estados Unidos ocupam a segunda posição entre os maiores parceiros comerciais do Brasil, ficando atrás apenas da China. Em 2024, o valor do comércio entre os dois países foi de cerca de 40 bilhões de dólares, o que equivale a 244 bilhões de reais. No entanto, a China superou os Estados Unidos como o maior parceiro comercial do Brasil na década de 2010, e em 2024, o comércio entre Brasil e China foi mais do que o dobro do comércio com os Estados Unidos e a União Europeia juntos.
De acordo com o Departamento do Censo dos EUA, o Brasil ocupa a 16ª posição entre os países que mais exportam para os Estados Unidos e é o 27º maior importador desse país. Em 2024, o ferro e aço representaram o maior superávit comercial do Brasil com os EUA. Durante o primeiro governo de Trump, houve ameaças de tarifas adicionais sobre esses produtos, mas elas nunca foram implementadas.
Apesar de o Brasil ter importado mais do que exportou para os EUA em 2024, sendo dependente de economias desenvolvidas, o maior desafio de Trump é a relação do Brasil com os BRICS — um grupo que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e agora conta com Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos. O grupo dos BRICS representa 46% da população mundial e tem buscado alternativas ao dólar para transações comerciais. As sanções ocidentais contra a Rússia, em razão da guerra na Ucrânia, têm impulsionado essas discussões.
Ameaça de desdolarização
Trump se mostrou contra a ideia dos BRICS de adotar uma moeda própria para transações comerciais, ameaçando que, se isso ocorrer, os países do grupo “não ficarão felizes com o que acontecerá”. O republicano também anunciou que, caso as nações do BRICS sigam com o plano, ele imporá tarifas de 100% sobre os países do grupo.
Desinformação como ameaça global
O Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial, divulgado em 15 de janeiro, coloca a desinformação como uma das maiores ameaças globais para 2025. O relatório indica que a disseminação de informações falsas está entre os riscos mais graves a curto prazo, afetando a coesão social e a governança global. Especialistas apontam que a cooperação global será cada vez mais necessária, mas a realidade tende a ser oposta, com uma ordem mundial fragmentada e competição entre grandes e médias potências.
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