Política

São Paulo, o Brasil e o golpe

São Paulo, o Brasil e o golpe

  • quinta-feira, 14 de abril de 2016

O pensarpiaui publica hoje dois autores. O blogueiro Eduardo Guimarães (blog da Cidadania) e o jornalista/blogueiro, Rodrigo Vianna (blog Escrevinhador). Ambos refletem a situação nacional, obviamente com o Piauí ai incluso. Rodrigo mais no campo da política e a grande questão do momento que é o impeachment da presidenta Dilma. Num texto de 2014, Edu Guimarães aborda mais o crescimento econômico a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD). Mas os dois tocam num aspecto, que as vezes passa despercebido, que é a força que o estado de São Paulo tem e exerce com primor. À reflexão:
Avança o golpe paulista de Temer: um ataque à democracia, aos direitos sociais e à ideia de Nação independente Por Rodrigo Vianna, 14 de abril de 2016
Sim, o golpe avança. Isso está claro, e nem preciso apresentar aqui as contas mais realistas, que apontam hoje dificuldade para se obter os 172 votos contra o impeachment. A reflexão que proponho é um pouco mais ampla: o que avança no Brasil hoje é um golpe paulista que tem como objetivo destruir a ideia de um Estado-Nação forte e independente, instaurando uma semi-democracia dominada pela intimidação policial. Ah, mas se o golpe vingar é porque recebeu apoio de parlamentares de vários estados. Sim, evidentemente. Mas o golpe é paulista, em primeiro lugar, porque colocaria no centro do poder dois personagens tipicamente paulistanos: Michel Temer e José Serra (que, desde o início, tem sido o articulador do golpe, nas sombras que o alimentam). O golpe é paulista, principalmente, porque o programa econômico que ele embute interessa sobretudo à elite financeira e à classe média (hiper numerosa em São Paulo) identificadas com um ideário “cosmopolita” – digamos assim. A turma que adora Miami, que curte o Pateta e o dólar barato, que não se importa de viver cercada por miseráveis (afinal, o que vale é a meritocracia). Essa é a turma que empurra o golpe pra frente, sustentando Cunha/Temer. Tudo em nome (pausa para risos) do combate à corrupção! Privatização, venda de bancos, entrega do setor petroleiro. Esse é o núcleo do programa econômico que Temer – se chegar ao poder – tentará implantar. É como se fosse um aprofundamento dos anos FHC. Com menos direitos trabalhistas, salários mais baixos, menos direitos sociais. Muita gente diz que a derrota de Dilma significaria o fim do lulismo. Outros vão mais longe e afirmam que o ataque será à lógica de ampliação de direitos – que vem desde a Constituição de 1988 (e atenção: o PSDB histórico de Montoro e Covas apoiava esse programa que já dura quase 30 anos no Brasil, e nem FHC conseguiu desmontar). Modestamente, eu daria um passo adiante: o golpe de Temer/Cunha/Serra/Globo significa um ataque não só ao lulismo e às conquistas que vêm desde 1988; é um ataque à ideia de Estado nacional independente, que avança desde a Revolução de 1930 – quando Vargas chegou ao poder. Os militares em 1964 não ousaram desmontar o Estado varguista. Ao contrário: tinham um projeto nacional: autoritário e conservador. FHC anunciou que faria o desmonte. Mas não conseguiu. Temer e os paulistas, agora, ameaçam o Brasil com um programa que significaria a regressão à condição semi-colonial que vivíamos na República Velha (não por acaso, uma “república” de fazendeiros paulistas e de bacharéis da Faculdade de Direito de São Paulo – que misturavam sua devoção ao “mercado internacional” com o palavreado vazio e bacharelesco que Temer adota em suas cartinhas e mensagens de voz). O golpe do dia 17 de abril seria uma espécie de reedição da “revolução” paulista de 32 (claro que se trata de uma analogia, sem valor histórico, digamos, científico). Está evidente que o golpe recebe apoio de setores fora da “paulistada metitocrática e miameira”. E isso foi obtido através de um acordão. Temer assumiria, salvaria a pele de Cunha, pararia a Lava-Jato num acerto que incluiria também Janot/MPF e parte do STF (estranhamente, silenciosos, diante das manobras dos bandidos que conduzem o impeachment). Sérgio Moro já anuncia que a Lava-Jato, em Curitiba, termina em dezembro. A última tarefa será prender Lula. Depois, o silêncio. A tarefa já estaria cumprida, e ele se juntaria a Joaquim Barbosa no panteão dos heróis manipuladores da Justiça. O programa jamais foi “combater a corrupção”. Quem (na ultra esquerda) acreditou na história de que “vamos pegar primeiro os corruptos do PT, depois pegamos os outros” vive certamente no País de Alice. O programa do golpe paulista é derrotar o campo de esquerda que, desde os anos 1980, se constituiu no Brasil – e serviu para ampliar direitos, reduzir a desigualdade e recuperar a capacidade do Estado (golpeada nos anos FHC). O programa do golpe, derrotado quatro vezes nas urnas, só se consolida agora com apoio da mídia – que Lula/Dilma jamais enfrentaram pra valer. Sim, o PT cometeu muitos erros. Mas não está sendo combatido por seus erros. E para encerrar: reparem que a estratégia de transformar a política num campo “jurídico-policial” é a mesma em todo o continente. Na Argentina, Cristina Kirchner acaba de ser conduzida para depor. No Chile, a família de Bachelet também é fustigada pela Justiça. Há uma estratégia comum. Daqui a 10 ou 20 anos, saberemos que essa estratégia teve apoio externo. Não resta dúvida. O plano de destruir o Estado nacional (primeiro no Oriente Médio – Iraque, Líbia, Síria… e depois na América Latina) é um método consistente que serve para melhor governar o mundo. Está em uso desde 1989, quando tombou o Muro de Berlim. O Brasil é mais uma peça nesse xadrez mundial. Mas o jogo não acaba domingo, seja qual for o resultado. Lula já anuncia que não sairá das ruas. A não ser que seja arrastado e preso. O golpe não será um passeio no parque. Aqueles que pretendem destruir a democracia e inviabilizar um projeto de Nação encontrarão resistência.
IBGE explica mal-estar de Sul e Sudeste contra o Nordeste Por Eduardo Guimaraes, 08 de novembro de 2014
Se dependesse das regiões Sul e Sudeste do país, o presidente da República para o quadriênio 2015 – 2018 seria Aécio Neves. O Brasil estaria se preparando para inaugurar mais uma República banqueira como tantas outras que o fizeram chegar ao limiar do século XXI como o quarto país mais desigual do mundo, perdendo só para países africanos miseráveis. O que livrou os brasileiros – inclusive do Sul e do Sudeste – da escuridão política foi o povo nordestino. O Nordeste, por ser a segunda região mais populosa do país depois do Sudeste e por ter dado a Dilma Rousseff apoio ainda mais intenso do que o que o senador tucano teve no Sudeste, reelegeu a presidente. O mais interessante nesse processo é que a região dos coronéis de outrora, que sustentou a ditadura militar nos seus estertores – quando o resto do país já exigia redemocratização – e que votava nos conservadores apesar de a vida de seu povo, com a direita no poder, piorar a cada ano, aprendeu a votar em causa própria. A eterna prepotência das regiões do resto país que se desenvolveram mais devido à política e não a méritos próprios, vem gerando surtos de preconceito contra o Nordeste nas últimas eleições presidenciais, com destaque para as de 2010 e 2014, quando o Ministério Público teve que entrar em campo para punir surtos racistas e xenofóbicos. O caso de São Paulo é pior, em termos de ignorância, preconceito e xenofobia. O povo paulista, hoje, emula o povo nordestino, que elegia, reelegia e elegia de novo seus algozes enquanto sua vida piorava. Os paulistas acabam de conceder o SEXTO mandato de governador ao PSDB apesar da piora galopante das próprias vidas. A hegemonia tucana fez com que, de 2001 a 2011, São Paulo se tornasse o Estado que mais perdeu participação no PIB da indústria brasileira. Apesar de ainda responder pela maior parte da produção industrial (33,3%), SP teve recuo de 7,7 pontos percentuais em sua participação no PIB industrial, onde há os melhores empregos. Ironicamente, enquanto a falta de água caminha para se tornar história no Nordeste, sobretudo devido à incrível obra de Transposição do Rio São Francisco, que, apesar das sabotagens, em breve estará concluída, no Sudeste, sobretudo em Minas Gerais e SP, a população paga pela incúria dos governos conservadores dos últimos 12 anos. A inversão do desenvolvimento no país se torna gritante na comparação entre o PIB industrial do Norte e do Sul do país. Enquanto o primeiro cresceu 1,9 ponto percentual no período de 2001 a 2011, o Sul perdeu 2,1 pontos. Tudo isso vem acontecendo porque, após a chegada do PT ao poder, em 2003, o Brasil tratou de reparar uma chaga histórica. Qual seja, o processo deliberado de incremento econômico do Sul e do Sudeste em detrimento do Norte e do Nordeste, que foi política de Estado ao longo de nossa história, desde o descobrimento. O que puxava os índices de desenvolvimento do Brasil para baixo sempre foi o Nordeste, mas só até que Lula chegasse ao poder. Dali em diante, essa equação começou a se inverter. Quando os paulistas acusam os nordestinos de terem sido responsáveis pela reeleição de Dilma por não saberem votar, mostram quanto não sabem nada sobre o próprio país. Os nordestinos sabem muito bem por que votam no PT, como mostra a mais nova edição da PNAD contínua, do IBGE. A nova Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) produz informações contínuas sobre a inserção da população no mercado de trabalho e suas características, tais como idade, sexo e nível de instrução, permitindo, ainda, o estudo do desenvolvimento socioeconômico do País através da produção de dados anuais sobre trabalho infantil, outras formas de trabalho e outros temas permanentes da pesquisa, como migração, fecundidade etc. Pois bem: segundo a nova PNAD contínua, divulgada na última quinta-feira, no período de 12 meses (fechado em junho) o Nordeste liderou a criação de postos de trabalho no país. De 1,5 milhão de empregos criados nesse período, 1 milhão foi criado no Nordeste e o resto pelas demais regiões. Vejamos, então, quem é que não sabe votar: o povo de São Paulo, que vota há vinte anos em um governo que liderou a redução da presença de seu Estado no PIB, que materializa uma inédita escassez de água e que vê seus problemas sociais se agravarem, ou o povo do Nordeste, que votou maciçamente em um governo que vem fazendo a vida melhorar tanto na região? O PIB nordestino cresce a uma taxa quatro vezes maior que a do resto do Brasil. Isso ocorre porque, após a chegada de Lula ao poder, o governo federal vem fazendo o que tem que ser feito no país para acabar com um nível de desigualdade que mantém os brasileiros no atraso. Como é que se distribui renda? Antes de distribuir por idade, sexo etc., a renda começa a ser distribuída geograficamente e, passo a passo, a atuação governamental vai se sofisticando por idade, gênero etc. Ou seja: para distribuir renda no Brasil, há que fazer, primeiro, as regiões mais pobres crescerem mais do que as regiões mais ricas. Com efeito, se o Norte e o Nordeste fossem um país – como, inclusive, quer parte do Sul e do Sudeste –, seriam um dos países que mais crescem no mundo, com o PIB do último ano crescendo mais de 4%. Infelizmente, só há uma forma de distribuir renda: para alguém ganhar, alguém tem que perder. Não dá para todos ganharem da mesma forma se um tem mais e outro tem menos, e o que se quer é justamente maior igualdade. Assim, o Norte e o Nordeste precisam crescer mais do que o Sul e o Sudeste mesmo. Se aqui, no “Sul Maravilha”, não fôssemos tão egoístas e alheios à realidade, entenderíamos que não adianta querermos o desenvolvimento só para nós – ou mais para nós – porque o povo das regiões empobrecidas migra para cá, aumenta a demanda por serviços públicos e, mergulhado na pobreza e no abandono, vê seus filhos caírem na criminalidade. Com o maior crescimento do Norte e do Nordeste, a migração cai ou muda de rumo, como tem acontecido – hoje, há cada vez mais nordestinos voltando à região de origem. Além disso, o Sul e o Sudeste poderão parar de enviar recursos, via impostos, para combater a miséria extrema nas regiões mais pobres. De certa forma, o povo do Sul-Sudeste tem um “motivo” para não gostar dos quatro governos do PT a partir de 2003. A percepção de que o desenvolvimento dessas regiões não tem sido grande coisa, não chega a ser cem por cento errada. Porém, isso ocorre porque está havendo redistribuição de renda entre regiões, no Brasil. No atual ritmo de crescimento do Norte e do Nordeste, em mais um mandato do PT o Brasil terá outra face – mais justa, mais coerente com um país que não pode ser rico em uma ponta e miserável na outra. E, ainda que grande parte do povo das regiões preteridas não entenda, ao fim todos sairemos ganhando com isso.
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