Os quilombolas no Piauí
Segundo o Censo Demográfico 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Piauí tem o terceiro território com maior população quilombola do Brasil, são 31.686 pessoas que se autoidentificam “quilombolas” em 75 municípios; e, também, tem o maior percentual de quilombolas nos 72,4 milhões domicílios particulares permanentes ocupados recenseados no Brasil, com pelo menos um morador quilombola (0,65% dos domicílios).
A maioria das comunidades estão inseridas na região semiárida e no bioma caatinga, formado por mais de 100 pequenas comunidades distribuídas em 62.365,8 hectares, abrangendo seis municípios na bacia do rio Piauí, sudoeste do estado (Bonfim do Piauí, São Raimundo Nonato, Fartura do Piauí, Várzea Branca, São Lourenço do Piauí e Dirceu Arcoverde). Em geral, estão distribuídas em torno de aguadas, que são áreas formadas naturalmente ou aprofundadas por escavação, capazes de acumular água no período chuvoso.
No Piauí, quatorze territórios já foram oficialmente delimitados e apenas seis estão titulados como quilombos pelo INCRA (Decreto 4.887/2003). O processo de regularização territorial quilombola consiste nas seguintes etapas: delimitação, estudo técnico, RTID, portaria de reconhecimento de limites, decreto de desapropriação por interesse social e, finalmente, título.
No Brasil, as comunidades quilombolas (ou mocambos) foram estabelecidas durante o processo de ocupação do território nacional por colonizadores europeus, no decorrer do período de colonização (1500-1822), marcado pela exploração e escravização dos povos nativos (indígenas) e afrodescendentes, trazidos das colônias africanas pelos colonizadores.
De acordo com José Maurício Arruti (1997), o conceito de quilombo ultrapassa a categoria histórica para abranger uma variedade de situações de ocupação de terras por grupos negros, para além do binômio de fuga e resistência. Para a antropóloga Ilka Boaventura Leite (2001), enquanto direito, o quilombo é uma espécie de potência que atravessa a Sociedade e o Estado de diversas formas. É nele que se mesclam as identidades fixas, a configuração do parentesco, da região, da nação e, também, se instaura a dúvida sobre a capacidade do Estado em ser o gestor da cidadania e o ordenador do espaço territorial.
Ressalte-se que, os quilombos se caracterizam não apenas pelo isolamento e a fuga dos escravos, mas, também, pela autonomia e a reprodução de modelos sociais, econômicos e políticos mais próximos às vivências experimentadas em África. Quando o Estado declara o reconhecimento de um grupo como remanescente, fixa identidade política, administrativa e legal, e ainda identidade social, que remete à identificação étnica, enquanto veículo de obtenção de direitos diferenciados.
O artigo 68 do ADCT/CF-88 institui novo sujeito social e político, etnicamente diferenciado a partir dos direitos instituídos, que é produto do contexto de lutas sociais que fazem da lei o seu instrumento, tendo a conversão simbólica do conceito de quilombo, que é metamorfoseado e ganha funções políticas.
Todavia, é necessário prudência para que se evite procedimentos espúrios de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de terras ocupadas, supostamente, por remanescentes das comunidades dos quilombos, que extrapole o marco legal (art. 68 - DCT e artigo 216 CF/1988).
Nesse sentido, uma percepção antropológica pode servir de referência para que um reconhecimento não se dê no campo político das circunstâncias ou dos interesses escusos e réprobos.
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