Eleições 2020

Feira de Santana: virada eleitoral é advertência para 2022

Impossível entender a mudança no ambiente eleitoral de Feira de Santana sem avaliar a operação de guerra ocorrida nos últimos dias

  • quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Foto: Acorda CidadeFeira de Santana
Feira de Santana

 

Por Paulo Moreira Leite, jornalista, no facebook 

A virada eleitoral em Feira de Santana, 612 000 habitantes a pouco mais de 100 km de Salvador, é um desses episódios que guarda lições úteis a um Brasil que em 2022 enfrentará sucessão de Jair Bolsonaro.

Terminado o primeiro turno, em 15 de novembro de 2020, o candidato Zé Neto, do Partido dos Trabalhadores, chegou em primeiro lugar, com 120 000 votos, desempenho que parecia confirmar o prolongado favoritismo que acompanhou os últimos meses de campanha.

Quinze dias depois, abertas as urnas do segundo turno, o resultado era outro, reafirmando as piores profecias. Embora tenha ampliado seu cesto eleitoral para 138 000 votos, Zé Neto foi ultrapassado por Colbert Martins, que atingiu a surpreendente marca de 164 000 votos, vice-prefeito eleito da gestão anterior, empossado na própria prefeitura depois que o titular deixou o cargo para disputar o governo do Estado. Com este resultado, uma oligarquia que domina a política da cidade há décadas cravou a quinta vitória consecutiva.

O resultado não seria uma surpresa se Feira de Santana pudesse ser classificada como exemplo do atraso urbano e social do país, uma localidade dominada pela estagnação em todos os sentidos. Não é assim.

Ali funciona uma universidade pública, com cursos de direito, medicina, engenharia. Nos governos Lula e Dilma, o programa Minha Casa, Minha Vida fez ambiciosos investimentos no local, construindo 26 000 moradias para famílias de baixa renda, 26 000 para renda média, benefício capaz de atingir pelo menos 100 000 pessoas.

Depois do Luz para Todos, estima-se que 100% das residências e estabelecimentos do lugar contam com eletricidade. Enquanto na presidência, a própria Dilma esteve no local, numa visita que muitos moradores recordam até hoje. Conforme uma pesquisa de opinião, 69% dos eleitores se diziam dispostos a votar no candidato indicado por Ruy Costa, governador petista da Bahia.

Impossível entender a mudança no ambiente eleitoral de Feira de Santana sem avaliar a operação de guerra ocorrida nos últimos dias.

Numa trapaça eleitoreira proibida por lei, na véspera da votação pelo menos 26 000 cestas básicas foram distribuídas à população carente. Os ônibus fretados pela Justiça Eleitoral para transportar moradores que residem em locais distantes amanheceram com todos os pneus furados.

Depois de lançar um candidado próprio no primeiro turno, na segunda fase as principais denominações evangélicas se alinharam com a direita.

As redes sociais espalharam uma fake news pavorosa a respeito de familiares de Zé Neto -- quando foi possível desmentir, o estrago estava feito.

Realidade geopolítica onde residem 66 milhões de brasileiros -- 31,7% da população -- as cidades médias como Feira de Santana costumam jogar um papel especialmente relevante no debate político nacional, situação que deve repetir-se em 2022, quando o país tentará livrar-se do flagelo Bolsonaro.

Ali os aparelhos políticos operam em ambiente de impunidade, sendo capazes de provocar estragos consideráveis sem produzir escândalos que chamam a atenção dos grandes centros do poder.

Dentro de dois anos, os truques e armadilhas produzidos na eleição municipal de Feira de Santana -- comuns em outras partes do país -- podem ter um papel mais nocivo do que se imagina para sabotar o esforço do retorno do país à democracia.

Alguma dúvida?

(Agradeço ao radialista Gerinaldo Costa pelas observações que me permitiram escrever este artigo).

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