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Vamos cantar o hino

Vamos cantar o hino

Arnaldo Eugênio, doutor em Antropologia

Sem dúvidas, a educação é um dos caminhos que um país pode trilhar para o desenvolvimento econômico e humano, com cidadania e justiça social. Em geral, todos querem uma educação de qualidade, abrangendo “os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (Art. 1º, LDB/1996) – educação de qualidade. Recentemente, o Ministério da Educação do Brasil (MEC) ordenou para todas as escolas públicas, através de um e-mail, que as crianças sejam perfiladas, cantem o hino nacional e que o momento seja gravado em vídeo e enviado para que o governo possa “usar” institucionalmente. Bem como, que seja lida para elas uma carta do eminentíssimo Ministro Ricardo Vélez Rodríguez e que, também, entoem o slogan da campanha de Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. Trata-se de cólera e ilegalidade. Antropologicamente, a identidade de um povo, também, se constrói pelos símbolos nacionais e valores que cultuam. Portanto, nada mais justo do que hastear a bandeira, realizar rituais, celebrar as tradições, rememorar os costumes, etc. Assim, a imposição do eminentíssimo Ministro da Educação às escolas públicas para que cantem o hino nacional é pertinente – para forjar um falso nacionalismo, como no futebol –, e oportuna – para mostrar o descaso com os problemas mais graves da educação no país, como a baixa permanência dos alunos nas escolas e a ínfima participação dos pais na vida escolar dos filhos e nos assuntos da escola, a falta de transporte escolar, etc. Desse modo, esqueçamos os princípios e premissas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) e vamos cantar o hino nacional para celebrar a ilegalidade, pois a Constituição (1988) não precisa ser respeitada quando diz que não pode “constar nome, símbolo e/ou imagem que venha caracterizar promoção pessoal de agentes públicos” (CF/88, Art. 37, § 1). Portanto, vamos cantar o hino nacional feito uns idiotas que acreditam no lema positivista de que só a ordem gera o progresso. Vamos comemorar a nossa corrupção, sorrir do nosso analfabetismo, banalizar a violência escolar e ovacionar a nossa educação, que ensina só para “passar” no ENEM e não para uma vida inteira. Mesmo recuando da aberração de gabinete, o eminentíssimo Ministro da Educação insiste em propor delírios patriocratas do que enfrentar os problemas mais relevantes da educação, tais como: a falta de sistemas eficientes de aperfeiçoamento, formação inicial e continuada para os professores; a desburocratização da administração escolar; a falta de investimentos públicos para atender as necessidades educacionais; os elevados índices de repetência escolar; a existência de professores lecionando sem formação específica para a área, a corrupção, etc. Por isso, orgulhosamente, vamos cantar hino nacional e exaltar “o nosso Estado que não é nação”. Vamos expor as crianças (e os adolescentes) ao cinismo de um país que se negar a efetivar o ECA (1990). Vamos cantar o hino nacional de peito aberto (e filmar) para esquecermos o uso em excesso de métodos de ensino ultrapassados; as altas taxas de abandono de alunos devido ao fracasso escolar; a carência de condições materiais nas escolas; a desconexão entre os níveis de ensino; a irregularidade da merenda escolar. Enfim, vamos cantar o hino nacional e esquecermos que a educação nunca foi prioridade do Estado brasileiro.

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