Cultura

Tia Ciata, a dona da casa onde o samba começou

Lá foi composto o primeiro samba gravado no Brasil: Pelo Telefone

  • domingo, 20 de fevereiro de 2022

Foto: DivulgaçãoTia Ciata e uma roda de samba
Tia Ciata e uma roda de samba

 

Sabe aquele sambão do fundo do baú? Ou aquele pagode dos anos 90 que você acaba de colocar no seu spotify? Pois é, a gravação deles só foi possível devido a existência de grandes personagens da nossa história, um deles é a querida Tia Ciata, mulher importantíssima, que contribuiu decisivamente para o desenvolvimento do gênero musical Samba.

Hilária Batista de Almeida, conhecida como Tia Ciata, nasceu em Santo Amaro da Purificação, Bahia, em 1854. Como escrava acompanhava sua mãe na cozinha da casa grande, onde desenvolveu dotes culinários. Após a aprovação da lei Áurea, muitos negros baianos, ex-escravos, migraram para a região sudeste, sobretudo para o Rio de Janeiro e São Paulo. Hilária mudou-se para território carioca e passou a vender quitutes próximo da praça onze, local conhecido como "Pequena África" por abrigar quantidade significativa de negros. Sempre paramentada com suas vestes de baiana. Era na comida que ela expressava suas convicções religiosas, ou seja, a sua fé no candomblé, religião proibida e perseguida naqueles tempos.

Ia para o ponto de venda com sua roupa de baiana uma saia rodada e bem engomada, turbante, diversos colares (guias ou fio-de-contas) e pulseiras, sempre na cor do orixá que iria homenagear. No local de trabalho passou a organizar sambas de roda (tradição baiana), e virou a mais famosa das tias baianas do centro do Rio de Janeiro. Partideira reconhecida, cantava com autoridade respondendo aos refrões das festas da praça onze, que se arrastavam por dias.

Tia Ciata cuidava para que a comida estivesse sempre quente e saborosa e o samba nunca parasse, fornecendo água e a famosa pinga aos sambistas de roda e às outras tias baianas. Quando a polícia passou a reprimir os sambas de rua, sob a acusação de vadiagem, Tia Ciata abriu as portas de seu barraco para os mais diversos músicos, malandros e população em geral.

Segundo João da Baiana, na mesma casa chegaram a ter três ambientes diferentes tocando samba: “os velhos ficavam na sala da frente cantando partido alto… os jovens ficavam nos quartos cantando samba corrido e, no terreiro, ficava o pessoal que gostava da batucada.” No meio da bagunça logo aparecia Tia Ciata dançando o famoso samba "miudinho".

A polícia mandou por várias vezes fechar a casa da sambista. Até o dia que sua vida cruzou com a do presidente da República Wenceslau Brás, o chefe do executivo estava adoentado em virtude de uma ferida na perna que os médicos não conseguiam curar, um investigador, que já havia sido curado por Tia Ciata, pediu um remédio para sarar a enfermidade do político, em uma sessão em seu terreiro, ela incorporou um Orixá que disse aos presentes haver cura para a tal ferida e recomendou a Wenceslau Brás que fizesse uma pasta com ervas que deveria ser colocada por três dias seguidos.

O Presidente ficou bom e em troca ofereceu a realização de qualquer pedido. Além de um serviço para o marido, Ciata requisitou ao político que intervisse para evitar as várias interrupções policiais durante as rodas de samba organizadas em sua residência, em 1916 o ritmo encontrou terreno e liberdade para o desenvolvimento como música popular.

Foi em sua casa que o primeiro samba, "Pelo Telefone", foi composto. Todo ano, durante o Carnaval, Tia Ciata armava uma barraca na Praça Onze, reunindo desde trabalhadores até a fina flor da malandragem. No estabelecimento eram lançadas as músicas e as conhecidas marchinhas, que ficariam famosas no Carnaval do Rio de Janeiro. A sambista morreu em 1924, mas até hoje é parte fundamental da história carioca. Curiosamente, existem pouquíssimas fotografias dessa importante personagem, mas sua imagem até hoje é guardada na memória coletiva brasileira como a mais importante pioneira do samba no Brasil.

Texto de Joel Paviotti

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