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SOBRE CALL CENTERS E O AMOR PELAS MULHERES

SOBRE CALL CENTERS E O AMOR PELAS MULHERES

Experimente passar alguns minutos na porta da Vikstar ou da Alma Viva (duas enormes empresas de telemarketing instaladas em Teresina). Você certamente vai se surpreender com a desproporcionalidade numérica entre trabalhadoras - grande maioria - e a população masculina que ali está empregada ou, quem sabe, subempregada ("fase de treinamento" se preferir).
O que explicaria essa predileção pelas mulheres?
Quem sabe algum ato de nobreza de instituições que, além de gerar lucro, pretendem contribuir para enfrentamento da cultura machista no mundo?
Talvez uma política para ajudar tantas mães solteiras que lutam sozinhas pra manter sua prole?
Certamente não se trata de uma nobre missão.O call center constitui, talvez, o exemplomais representativo do processo de precarização que o mundo do trabalho vem sofrendo nas últimas décadas. Precarização essa que, não por acaso, tem GÊNERO FEMININO.
O ritmo cada vez mais acelerado que orienta o mundo globalizado-flexibilizado produz uma classe trabalhadora que constrói sua auto-imagem de excelência, nos quesitos "agilidade", "facilidade de adaptação", "docilidade" e "devoção ao trabalho". Características suspeitamente exaltadas quando se pretende elogiar as mulheres em algum 8 de março "da vida".
Não se trata aqui de desconsiderar os elogios. Tamanha habilidade poderia render inumeras menções honrosas se, tragicamente, esse potencial organizado pela chibata do patriarcado não viesse acompanhado de altíssima carga de stress, assédio moral, metas abusivas, assédio sexual e baixissimos salários, submetendo essas trabalhadoras a um universo de cobranças que resultam em distúrbios e doenças típicas dos " tempos".
Nessa conjuntura, é importante que os sindicatos e demais instituições que representam a classe trabalhadora, revertam a velha cultura reforçadora de gênero, em um momento de conversa franca com as trabalhadoras, dando sentido real a esse dia de luta pelos direitos das mulheres.
É preciso levantar perguntas simples, do tipo: se mulheres constituem maioria, por que então, os gerentes quase sempre são homens?
Vale lembrar ainda, a miséria paga pelo auxílio creche e a falta de sensibilidade às necessidades fisiológicas básicas das trabalhadoras gestantes, que tem seu tempo de ida ao banheiro constrangedoramente monitorado.
É assim que essas empresas de telemarketing exercem seu amor pelas mulheres. É esse o lugar que, historicamente, o capital as reservou.
A mulher constitui a maioria explorada nesse universo do trabalho informatizado, vendido como "progresso" e conduzido todos os dias pela rotina repetitiva e desgastante de delicados dedos e ouvidos atentos.
Muitas delas negras, lésbicas, trans ou mães solteiras.Enfrentando toda adversidade para compor um ambiente social digno e autônomo.Suas mãos exaustas, dão o testemunho de uma dupla ou tripla jornada que só se encerra na lavagem da louça suja do jantar.

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