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Sakamoto: Para Bolsonaro, pecha de ladrão de joias é pior que de genocida e golpista

A questão é que “ladrão de joias” é bem mais palpável do que “genocida” ou “golpista” para uma parcela da população

Foto: Reprodução/XMeme do “Bolsonaro compra ouro” que viralizou após a operação de PF de 12/08
Meme do “Bolsonaro compra ouro” que viralizou após a operação de PF de 12/08

Por Leonardo Sakamoto, jornalista, via DCM

O esquema para desviar joias que pertencem ao patrimônio do Brasil e vender para pessoas ricas ou em lojinhas do tipo “Compro Ouro” nos Estados Unidos, embolsando a grana ao final, têm mais potencial de ferir a imagem de Bolsonaro junto ao povão do que o seu negacionismo na pandemia ou seu golpismo eleitoral.

Claro que mais de 700 mil mortes por covid-19 e a tentativa de enterrar a democracia com a invasão e destruição das sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro são incomensuravelmente mais graves do que surrupiar alguns milhões em relógios, colares, estátuas e usar militares para vende-lo como camelôs.

A questão é que “ladrão de joias” é bem mais palpável do que “genocida” ou “golpista” para uma parcela da população, incluindo aquela que votou nele, mas não faz parte do bolsonarismo-raiz. Aquela que acreditou na narrativa de que Jair era um homem “honesto” e estava acima da corrupção.

Também é mais fácil criar dúvidas sobre as denúncias de que ele é corresponsável por milhares de mortes – apesar a grande quantidade de provas que Bolsonaro produziu contra si mesmo na pandemia. Da mesma forma, há quem caia facilmente na absurda história de que a tentativa de golpe de Estado foi um “inside job”, ou seja, algo planejado pelo atual governo para se vitimizar.

Como há chinelo velho para pé cansado, tem gente que se dá por satisfeito.

Agora, ser pego surrupiando ouro e diamantes que pertencem ao povo e embolsar, não precisa de muita explicação. Qualquer cristão conhece bem o “não furtarás” dos Dez Mandamentos no livro de Êxodo, capítulo 20, tanto quanto a história de adorar um bezerro feito de ouro e joias contada em Êxodo 32.

Durante as campanhas eleitorais de 2018 e de 2022, e também nos quatro anos de seu mandato, Bolsonaro se vendeu como um “homem comum” que representaria os interesses do povo mais do que os políticos profissionais. Claro que era uma construção, uma vez que ele, um político profissional, especializou-se em ficar rico dando à luz a funcionários fantasmas nos gabinetes da família e ficando com parte de seu salário.


Mas esse personagem convenceu muita gente. Afinal, ele aparecia em vídeos oferecendo pão com leite condensado ao representante do governo dos Estados Unidos, deixando cair a farofa do frango sobre sua roupa, fazendo lives improvisadas com bandeiras coladas à parede com fita crepe, cometendo erros de português frequentes entre o povão para gerar empatia ao ser ridicularizado pela elite intelectual – que sempre cai em suas armadilhas.

Agora, esse personagem foi pego em um esquema que envolveu almirantes, sargentos, tenentes, coronéis e até um general para importar ilegalmente joias dadas de presente ao Brasil, depois usar todo o peso do governo fim de pressionar auditores da Receita Federal a liberarem a carga, daí mandar para fora e vende-las. Segundo a Polícia Federal e o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, era Jair quem determinava os rumos criminosos da operação. E quem se beneficiava dos dólares obtidos.

Como já disse aqui, para azar do ex-presidente e seu desejo de parecer um homem simples, o eleitorado tem mais facilidade de gravar na memória escândalos com produtos considerados de luxo, como diamantes e ouro.

Neles reside não apenas o absurdo do desvio da coisa pública, mas a utilização desses recursos para fazer do governante uma pessoa que desfruta de luxos a que a maioria da população nem sonha em ter acesso.

Não é à toa que as notícias que relatam concorrências públicas para fornecer camarão, lagosta, uísque e champanhe à despensa de presidentes, ministros, embaixadores e generais são tão clicadas pelo público.

Ou que detratores de Lula difundiram a farsa de que ele havia ganho um triplex no Guarujá de uma construtora como pagamento por negociatas na Petrobras em meio à operação Lava Jato. Triplex no imaginário popular é um lugar luxuoso e nababesco – na realidade, o apartamento em questão tinha 215 metros quadrados.

Então, como Jair Bolsonaro, que se vendia como um “homem comum”, um “homem do povo”, pode surrupiar joias de luxo que pertenciam ao governo brasileiro, vender para os ricos e ficar com o dinheiro?

Essa é a pergunta que será feita exaustivamente ao eleitorado que ele pretende influenciar, mesmo inelegível, nas eleições de 2024 e 2026.

Isso se não for preso antes pelo muambagate, claro.

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