Pensar Piauí

Por que nós?

Que Janaína não seja mais uma estatística em vão.

Foto: Divulgação
Bell e Janaina
Bell e Janaina

Por Beel da Silva, professora e militante, no Facebook 

Ser mulher no mundo de hoje é desesperador. De acordo com a Constituição, tratados de direitos humanos, resoluções e todos os documentos oficiais todas as pessoas têm liberdade e direitos, mas que não se aplicam a nós mulheres. Nós não temos liberdade, nós não temos direitos. Nós não temos liberdade de sair de um relacionamento. Nós não temos direito de escolher o que fazer com nossos corpos. Nós não temos liberdade de ir e vir a hora que queremos. Nós não temos direito de usar o que queremos. Nós não temos liberdade para nos divertir. Nós não temos direito à um lar seguro. Na verdade, não temos segurança em lugar nenhum. E se não temos liberdade e direitos reais, como nos deveriam garantir os documentos oficiais, o que temos?

Nós temos a responsabilidade, a culpa, a obrigação, o medo, o dever. E tudo isso não deveria ser nosso. A responsabilidade de uma família não é só nossa. A culpa da agressão não é nossa. A obrigação de seguir moldes não é nossa. O medo de sair ou ficar em casa não é nosso. O dever de se submeter não é nosso. E se nada deveria ser só nosso, por que ainda somos nós as “estatistizadas”? Sim, porque é isso que nos resta: ser estatística!

Estatísticas mostram que no Brasil a cada 02 minutos, uma mulher é agredida; a cada 08 minutos, uma mulher é estuprada; a cada 02 horas, uma mulher é assassinada. E por que isso? Por que nós?  Por que tanta brutalidade com os corpos das mulheres? Que tipo de ameaça nós apresentamos para sermos exterminadas assim?

Você que está lendo, assim como eu que escrevo, temos uma coisa em comum, mesmo que você não seja mulher: conhecemos mulheres que foram agredidas, estupradas e assassinadas. E ao que nos parece, isso se tornou normal. Por que é normal passar o olho nessas notícias e não se abalar? Por que é normal ver acontecer tão perto e seguir o dia? Por que poucas de nós conseguem pensar: poderia ter sido eu? Por que a gente busca tomar uma atitude quando uma de nós estampa as manchetes?

No último final de semana, Janaína da Silva Bezerra estampou as manchetes no Piauí e no Brasil, mas não pelo o que aconteceu com ela, mas pelo local onde aconteceu. Exatamente 10 anos após o trágico incêndio da Boate Kiss em Santa Maria/RS que vitimou 242 pessoas, Janaína foi encontrada morta dentro do campus da Universidade Federal do Piauí em Teresina. Assim como as 242 pessoas que não voltaram pra casa depois de uma festa de estudantes, Janaina também não voltou depois da calourada que ocorreu dentro do campus. A Boate Kiss estava irregular e a festa na UFPI foi irregular (segundo a universidade), mas o ponto não é esse. Até porque o campus não tem segurança em momento nenhum. Mas esse é assunto para outro texto. E mesmo assim, o ápice das notícias são sobre isso: a festa irregular, a irresponsabilidade do movimento estudantil, o antro de libertinagem que as universidades se tornaram, a imagem do campus, e tantos outros assuntos que deveriam ser secundários, e alguns até mesmo sequer pautados. E com que finalidade? Buscar justificar o que fizeram com Janaina. Mas esquecem que não há justificativas para agredir, estuprar e matar uma jovem de 21 anos que simplesmente saiu para se divertir. 
É preciso sim levantar o debate em torno da (in)segurança no campus da UFPI de Teresina e a responsabilidade da gestão. A universidade tentou tirar o corpo fora e culpar o movimento estudantil que promoveu a festa. Mas ora mais, a universidade não deveria ser um local seguro para toda a comunidade independente do horário e se era um dia útil ou não útil? E mais, semanalmente acontecem esses tipos de eventos e só agora a universidade vem dizer que não sabia da realização e não pode se responsabilizar? Por favor, não venham dar uma de Homer Simpson e “já que a culpa é minha, eu coloco em quem eu quiser”. Universidade é lugar de festa sim, de alegria, de socialização, de ter novas experiências, de VIVER! Mas, como já disse, esse é outro assunto. Até porque o que matou Janaína foi um homem, e não uma festa! 

O ponto central aqui é: POR QUE NÓS? Por que nós mulheres não podemos ter liberdade e direitos? Por que nós temos que buscar justificativas e culpas para algo que não fizemos? Por que nós temos que dizer o que fazíamos fora de casa a noite? Por que nós temos que buscar justificativas para as violências que cometem contra nós?

Janaína não teve liberdade e muito menos direitos. Não teve liberdade para se divertir. Não teve direito de escolher. Não teve liberdade de ser jovem. Não teve direito de seguir com seus sonhos. Não teve a liberdade de viver o que o futuro tinha pra ela, como ela ansiava. As dobras do destino a colocaram com um monstro que arrancou a sua vida.

Quantas Janainas tiveram seus sonhos interrompidos por serem mulheres? Quantas Janainas saíram para se divertir e não voltaram para casa? Quantas Janainas estiveram na companhia de um homem sem ter a mínima noção que aquele seria o último com quem elas estariam? Quantas Janainas ainda veremos nas manchetes?

Que Janaína não seja mais uma estatística em vão. Presto toda solidariedade à família e amigos/as. Que a memória de Janaína esteja presente nas nossas lutas e, quem sabe um dia, nas nossas conquistas.

Por Janaína da Silva Bezerra e por TODAS NÓS!

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