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Policiais radicalizados são risco real de ruptura, alerta especialista

Episódios recentes de abusos policiais por razões políticas acendem alerta às vésperas de ano eleitoral

Foto: EstadãoPoliciais
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Metrópoles-  Policiais dispostos a colocar as próprias convicções políticas acima das noções de disciplina e hierarquia estão se sentindo mais à vontade para agir fora da lei, à medida que a polarização ideológica se aprofunda no país numa antecipação da campanha de 2022.

A falta de fidelidade desses servidores armados aos princípios democráticos virou motivo de preocupação entre analistas e políticos. Episódios recentes indicam um perigo real de tentativas de ruptura institucional ao longo do ano que vem, na opinião do diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, um dos principais especialistas brasileiros no assunto.

A preocupação é reacendida a cada episódio de perda do controle, como casos na última semana em Goiás, onde uma guarnição da PM prendeu um professor, dirigente petista, que tinha no carro uma faixa onde se lia “Fora Bolsonaro genocida”; e em Pernambuco, onde a tropa de choque atacou manifestantes e feriu gravemente duas pessoas (em destaque, imagem de protesto na capital pernambucana).

De acordo com Lima, “vários passos no sentido da desconstrução das instituições foram dados, porque vimos que não é mais um fenômeno restrito às baixas patentes, mas que chega nos comandos”, avalia ele, registrando que a falta de punição pelo Exército ao general Eduardo Pazuello também faz parte do cenário.

“Quando vemos ainda o comandante da Academia de Polícia Militar de Brasília [coronel William Delano Marques] terminar seu discurso de formatura de turma ao lado de Bolsonaro com o slogan eleitoral do presidente, compreendemos que os cenários mais preocupantes estão se realizando”, completa o pesquisador.

O tamanho do problema

Dois levantamentos recentes indicam que o número de agentes radicalizados no Brasil, que flertam com discursos antidemocráticos, é de pelo menos 120 mil mil policiais civis, militares e federais. Pesquisa do instituto Atlas de abril deste ano apurou que 21% dos policiais brasileiros (chega a 27% entre PMs) admitem ser favoráveis à instalação de uma ditadura militar.

Outra pesquisa, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de agosto de 2020, analisou postagens no Facebook de policiais e estimou que 12% dos policiais militares, 7% dos civis e 2% dos federais publicaram conteúdos defendendo o fechamento do Congresso e/ou a prisão de ministros do STF.

“É muito preocupante, porque são pessoas que estão muito inseridas no dia a dia de todos nós, a quem chamamos em uma situação de conflito. A crise está escalando, e me parece que quem pode tomar decisões, como o Congresso, está preso a uma visão de que essas ameaças não passam de jogo político. Mas não é o caso”, alerta Renato Sérgio de Lima.

Busca por soluções

Para o especialista, existem mecanismos formais de controle interno e externo das polícias, mas eles são antigos e anacrônicos, e precisam ser reformados. “Os episódios de abusos na base têm sido punidos, mas está se criando uma situação em que a disciplina está sendo só para praças e soldados. Como o Pazuello não foi punido pelo Exército, não acho que o comandante da academia em Brasília será punido. O que vemos são instituições cada vez mais autonomizadas, insuladas, que fazem o que elas acham que devem fazer, com baixa capacidade de supervisão. Mas também instáveis, e com o Bolsonaro tentando se aproveitar de certa maneira da instabilidade criada”, avalia ele.

Lima vê o presidente se aproximando cada vez mais ideologicamente dos policiais, apesar de não se esforçar para criar soluções que as categorias pleiteiam para ter melhores condições de trabalho.

Para Lima, porém, essa bolsonarização das polícias não é um “caso perdido para a democracia”, mas setores da sociedade precisam “se prevenir para um 2022 muito difícil” e se mobilizar para buscar soluções.

“É preciso sensibilizar quem ainda acha que é só jogo político e não um risco real. Precisamos cobrar uma postura mais proativa do Ministério Público em supervisionar instituições, e não só os policiais. Sensibilizar o próprio Judiciário em suas várias instâncias, não precisa ser só o Supremo, e chamar os governadores. Não dá mais para eles ficarem reclamando ‘Bolsonaro está cooptando as polícias’. Ele está, mas o que eles farão?”, questiona o especialista.

Sua sugestão é de que, enquanto uma reforma policial que pode até aumentar a autonomia policial frente aos governadores está empacada no Congresso, os estados discutam reformas administrativas localmente em suas polícias, reorganizando as carreiras e atendendo a pleitos legítimos dos policiais, que trabalham sob regras antigas e arcaicas, que ajudam a trazer insegurança legal para a atividade.

“Os governadores precisam oferecer opções na forma como as polícias pensam as questões táticas, operacionais. Avançar”, sugere o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Duas visões parlamentares

O presidente do Fórum Nacional de Segurança Pública pede atenção especial ao Congresso, mas nas Casas o debate sobre a segurança pública não tem conseguido destaque em meio à pandemia e à tentativa de retomar as reformas liberais.

Líder da Frente Parlamentar da Segurança Pública, a bancada da bala, o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP) garante que há exagero nos temores de levantes nas forças policiais e alega que os casos recentes são isolados e foram punidos. “Não vou dizer que a grande maioria do efetivo não é pessoal mais à direita, porque é, mas isso não define o trabalho do policial. A Polícia Militar tem hierarquia e disciplina como pilastras, e não abrimos mão disso. A instituição repudia atos criminosos”, discursou ele em entrevista ao Metrópoles.

Capitão Augusto afirma que os atos de indisciplina em Pernambuco e Goiás foram punidos e que os envolvidos vão responder na Justiça. “Temos viés de direita, porém somos fiéis à Constituição, às leis, à democracia, não importa se governador é petista, é do PSol. Isso está resguardado”, reforça ele.

Capitão Augusto lamenta, no entanto, a falta de apoio do governo Bolsonaro para levar adiante mudanças nas leis que, segundo ele, aprimorariam o trabalho policial. “Infelizmente não parece uma prioridade, não recebi nenhuma sinalização dos líderes ou do presidente”, afirmou.

Representante da oposição, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) tem uma visão bem mais sombria do cenário. “Naquela reunião ministerial hoje célebre [de 22 de abril de 2020], quando Bolsonaro reclamou do Sergio Moro, ele disse que não conseguia informações no sistema oficial, só no particular, no dos policiais. Ali ele deu a senha, e isso que tem ocorrido não me parece espontâneo nem isolado”, avalia o parlamentar, que pediu ao Ministério Público em Pernambuco e em Goiás para investigar as ocorrências e procurar conexões.

“Na minha opinião, há uma ação articulada em grupos de policiais bolsonaristas radicais. Eles se articulam por baixo e tentam apodrecer as instituições, contando com a cooptação ou omissão de seus chefes. Não podemos permitir que chegue a esse ponto”, afirma Teixeira.

Para o petista, “Bolsonaro já acusou que quer dar um golpe. E o golpe conta com esses segmentos de policiais e alguns generais, como esse que virou ministro da Defesa [Braga Netto]”.

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