Pensar Piauí

Pandemia afetou a saúde mental dos piauienses

Psicóloga e Psicanalista fez uma análise sobre o assunto. Taxa de mortalidade por suicídio no Piauí é quase o dobro do índice nacional

Foto: ReproduçãoDra. Ana Elisa- Psicóloga e Psicanalista
Dra. Ana Elisa- Psicóloga e Psicanalista

A pandemia do coronavírus já dura há mais de um ano e meio e, durante esse período, a liberdade de ir e vir e o convívio social foram limitados. Para cumprir a quarentena de maneira correta, o distanciamento social foi indicado por governos e instituições de saúde no mundo todo. No entanto, a solidão causada por essas restrições levantou outra preocupação: a saúde mental na pandemia. Com uma nova onda de casos e o aparecimento de novas variantes, as medidas de prevenção para Covid-19 ainda devem ser seguidas, mas o cuidado com o bem-estar psíquico deve ser levado a sério.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país que apresenta maior prevalência de depressão na América Latina. É também o país mais ansioso do mundo. E, para profissionais da psiquiatria, psicologia e psicanalistas, a solidão é reconhecida como um gatilho - um impulsor - de transtornos de humor.

Considerando todos esses fatores, surgiu a preocupação que uma epidemia paralela afete a saúde mental da população brasileira. Com isso, diversos profissionais de psicologia começaram a realizar atendimentos virtuais para ajudarem a sociedade nesse momento difícil.

No Piauí e em todo o país, esses atendimentos virtuais são feitos pelo sistema E-Psi, desenvolvido pelo Conselho Federal de Psicologia. O sistema simplificou o cadastramento de psicólogas(os), para que os profissionais da categoria pudessem atuar de forma on-line durante a pandemia e no pós-pandemia.

De acordo com a presidente do Conselho Regional de Psicologia do Piauí, Juliana Maia, em 2019, foram registrados 300 cadastros para atendimento no E-Psi no estado. Após o início da pandemia, em 2021, foram registrados aproximadamente 1.100 cadastros, o que resultou em um aumento de 300% na procura por atendimento psicológico de forma remota.

Foto: ReproduçãoPresidente do Conselho de Psicologia do Piauí, psicóloga Juliana Maia
Presidente do Conselho de Psicologia do Piauí, psicóloga Juliana Maia

 

Os dados do Conselho de Psicologia mostram o aumento na procura por ajuda psicológica no Piauí, o que demonstra o quanto a pandemia afetou a saúde mental dos piauienses. Luto, perda/falta de emprego, medo de adoecer/morrer, futuro incerto e vacinação lenta são fatores que desencadearam esta situação.

O Pensar Piauí conversou com a psicóloga e psicanalista, Dra. Ana Elisa Marangoni Costa. Ana Elisa é psicóloga formada pela PUC Rio, pós-graduada pela UFRJ e psicanalista com formação pela Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro.

A psicóloga e psicanalista, atualmente, mora em Teresina e durante a pandemia começou a realizar seus atendimentos de forma remota. Na entrevista, tratamos sobre os impactos da pandemia na saúde mental e o que fazer melhorar essa realidade. 

Confira a entrevista na íntegra:

Pensar Piauí- Quais os impactos da pandemia principalmente para as pessoas com transtornos mentais?

Ana Elisa- A pandemia é uma terrível experiência global e coletiva. Todos nós estamos sendo impactados por ela e sairemos dessa experiência diferentes. O coronavírus chegou e de forma avassaladora, tem nos assombrado. O final do século XX e início do século XXI estava trazendo ao mundo a ideia de que é possível um grande controle das nossas vidas, da saúde, através do desenvolvimento das ciências como a medicina e até mesmo das guerras.

Yuval Noah Harari, em seu livro Homo Deus, relata como o homem contemporâneo estava se sentindo onipotente, aspirando até o controle sobre a morte. Então fomos surpreendidos por essa pandemia e a experiência de um desconhecimento enorme sobre ela, de uma vida sem rotina e de grandes experiências de descontrole, privados de relacionamentos afetivos, somado ao perigo eminente que parece estar em todo lugar. É curioso que o livro citado, que faz interessantes reflexões sobre o futuro, não foi capaz de especular sobre essa pandemia tão avassaladora, ocorrida poucos anos após sua edição.

Para nos estruturarmos como seres equilibrados, temos necessidade de um ambiente confiável para vivermos nossas vidas, trabalharmos e nos relacionarmos. Isso nos foi tirado. 

O ambiente em que vivemos não supre mais as nossas necessidades e nos impõe experiências traumáticas.
Aqueles que possuem recursos internos, psíquicos, mais amadurecidos, irão se utilizar de melhores “ferramentas” para se protegerem. Aqueles que são mais fragilizados emocionalmente ou com transtornos psíquicos, estarão mais frágeis e apresentarão mais dificuldades para lidar com esse momento.
 
Pensar Piauí- Como lidar com as frustrações geradas pelo impacto do coronavírus?

Ana Elisa- A frustração faz parte de nossas vidas desde o nascimento. Aos poucos e de forma cuidadosa, vamos aprendendo a lidar com ela. 

Com a pandemia, estamos vivendo frustações mais intensas, com experiências que já tinham sido satisfatórias para nós. Por exemplo, relacionamentos, a liberdade de ir e vir, o ambiente acolhedor etc. Tudo isso perdemos. Na minha clínica, percebo que para algumas pessoas não houve uma paralização de suas vidas mas apenas adequações. Pessoas se casaram, tiveram filhos, mudaram de emprego, fizeram vários cursos online e assim, mesmo com toda restrição imposta, continuaram num bom caminho. Outras se paralisaram diante do medo da morte então mais presente. Parece que morreram antes dela chegar. Para lidarmos bem com nossas frustrações, tanto as que a vida nos traz, como a que a pandemia tem nos trazido, seria bom que aproveitássemos esse momento que estamos mais em contato conosco, para nos conhecer melhor, perceber nossas angústias e limitações, compreender e elaborar essa enxurrada de emoções a que estamos expostos. Costumo dizer aos meus pacientes que com a pandemia, ficamos mais de frente conosco mesmos, com nossos desejos ou com a falta deles.
 
Pensar Piauí- Como lidar com as crises de ansiedade que são causadas pelos pensamentos nos cenários futuros (de doença e crise econômica)?

Ana Elisa- Certamente a pandemia trouxe uma ansiedade diante do descontrole sobre nossas vidas, do desconhecimento, da exposição exagerada na internet, do excesso de informação muitas vezes falsas que algumas pessoas mergulharam com o objetivo de controlarem as suas angústias. 

Algumas atitudes são importantes que vão ajudar a diminuir essa ansiedade, se ela for consequência desse momento. 

Sugiro que se afastem da internet, selecionem melhor as notícias para ouvirem ou lerem, retornem de maneira cuidadosa e com todas as proteções exigidas, a se relacionarem com pessoas confiáveis, que também estão se protegendo. Busquem atividades prazerosas, hobbies, livros, filmes e saiam de ambientes nocivos e tóxicos que algumas tecnologias estão nos trazendo. Entretanto, se o nível de ansiedade for muito alto, procurem profissionais para que os possa avaliar, no caso um psiquiatra e um psicólogo.

Pensar Piauí- Por conta da pandemia, vivenciamos o aumento dos números de suicídios. A maioria das pessoas que cometem esse ato não procuram ajuda e atendimento psicológico?

Ana Elisa- A OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde- alertou em setembro do ano passado que a pandemia da Covid-19 pode aumentar os fatores de risco para suicídio e a saúde mental de muitas pessoas. Houve um aumento da ansiedade, da angústia e da depressão. Somado a isso, um aumento considerável da violência doméstica, abuso no consumo de álcool e outras drogas que podem levar uma pessoa a querer tirar a sua própria vida. A família tem um papel importante e fundamental ao observar esses problemas em casa e através do diálogo, sempre conectadas a essas dores, contribuir para que haja o pedido de ajuda por parte do membro que sofre.
 
Pensar Piauí- O que podemos fazer para melhorar essa realidade e quebrar o tabu e o preconceito contra quem faz terapia/acompanhamento com psicólogo e psiquiatra?

Ana Elisa- Penso que só a educação tanto formal, nas escolas como na família, pode contribuir para uma sociedade com menos preconceito. Assim também informações corretas e verdadeiras sobre o sofrimento psíquico. Pensar que uma coisa que nos faz bem, estar com um profissional de confiança, não deve ser evitado e sim que fará um bem e trará menos sofrimento.

Como buscar ajuda gratuitamente 

O Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) aponta que a média brasileira é de 5,6 mortes por suicídio a cada grupo de 100 mil habitantes. O Piauí apresenta quase o dobro desta taxa, atingindo uma média de 10 mortes, de acordo com o levantamento feito entre os anos de 2010 e 2017.

Diante deste cenário, é importante saber onde e como conseguir ajuda para si ou para alguém que possa precisar. Um atendimento especializado pode fazer toda a diferença em um momento difícil.

Em Teresina, há lugares que contribuem gratuitamente com a prevenção e pósvenção do suicídio, saiba quais:

CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA (CVV)

Associação civil sem fins lucrativos, formada por voluntários treinados para conversar com pessoas que procuram ajuda e apoio emocional, atuando na prevenção do suicídio.

A conversa acontece sob sigilo total tanto pelo telefone, no número 188, e-mail e chat todos os dias durante 24 horas pelo site https://www.cvv.org.br.

Interessados também podem procurar a sede do CVV funciona das 0h às 14h e está localizada na Rua Desembargador Freitas, número 1599, no Centro de Teresina.

PROVIDA

Ambulatório especializado no atendimento à demanda espontânea de pessoas com ideação suicida. Fica localizado no Centro de Saúde Lineu Araújo, na Rua Magalhães Filho, número 152, no Centro da capital. O local funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, o telefone é (86) 3215-4344.

CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS)

Em Teresina, existem 7 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), gerenciados pela Fundação Municipal de Saúde (FMS) e direcionados ao atendimento exclusivo de pessoas com transtornos mentais. O último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde apontou que nos locais onde existem Centros de Apoio Psicossocial (Caps) o risco de suicídio reduz em até 14%.

Os locais funcionam em dias úteis, das 8h às 11h e das 14h às 17h, realizando a triagem e o acolhimento de pessoas que buscam o serviço. Para ter acesso, o paciente pode ir sozinho ou acompanhado e deve, preferencialmente, procurar o CAPS que atende na região onde mora.

Confira os endereços dos 7 CAPS:

CAPS II

Zona Sudeste – localizado na Rua Poncion Caldas, número 5602, bairro Renascença (ao lado da UBS Redonda). Telefones: 3236-8747 / 3234-2506

Zona Sul – localizado na Avenida Barão de Gurguéia, número 2913, bairro Pio XII. Telefone: (86) 3218-4865

Zona Norte – localizado na Rua Presidente Lincoln, número 2978, bairro São Joaquim. Telefone: (86) 3213-2080

Zona Leste – localizado na Rua Visconde da Parnaíba, número 2435, bairro Horto Florestal. Telefone: (86) 3216-3967

CAPS INFANTO-JUVENIL (Atendimento a crianças e adolescentes com transtornos mentais graves e persistentes) – localizado na Rua Crisipo Aguiar, número 3889, bairro Buenos Aires. Telefone: (86) 3225-8078

CAPS AD (Atendimento a pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas) – localizado na Rua Quintino Bocaiúva, número 2978, bairro Macaúba. Telefone: (86) 3215-7762

CAPS III (Atendimento 24h) – localizado na Rua Costa Rica, número 466, bairro Cidade Nova. Telefones: (86) 3221-0092 / 3221-6422

CENTRO DÉBORA MESQUITA (CDM)

Uma organização filantrópica que contribui com a prevenção e pósvenção do suicídio em Teresina, alertando sobre sintomas, causas e tratamentos disponíveis dos transtornos psíquicos.

O CDM está localizado na rua Pedro de Vasconcelos, número 2065, bairro Recanto das Palmeiras e funciona de segunda a sexta, das 8h às 17h. Telefone: (86) 9 9827-3343 / 9 8894-5742

SERVIÇO ESCOLA DE PSICOLOGIA (SEP)

Muitas universidades e faculdades brasileiras oferecem atendimentos psicológicos gratuitos à população, como uma atividade de extensão para os cursos de Psicologia. Confira uma lista com as Instituições que contam com essas atividades em Teresina:

Universidade Estadual do Piauí (UESPI) - o serviço de atendimento clínico da Psicologia da UESPI exige agendamento. No site do SEP da universidade é possível preencher um formulário e receber orientações.

Centro Universitário Santo Agostinho - funciona de segunda a sexta-feira, de 8h às 18h e está localizado na Avenida Presidente Kennedy, número 4500, no Bairro São Cristóvão (próximo ao Parque Zoobotânico). Telefones: (86) 3234-5540 e 3234-5570

Clínica Escola de Saúde Integrada UNINASSAU - Rua Dr. Otto Tito, 1771, bairro Redenção. Telefone: (86) 3194-1819

CUIDARE - Clínica Escola de Psicologia UNINASSAU. Av. Jóquei Clube, bairro Jóquei, 710. Telefone: (86) 99987-5239

SERVIÇO DE ATENDIMENTO DE URGÊNCIA PSIQUIÁTRICA

Em casos de surto psicótico ou tentativa de suicídio, o Hospital Areolino de Abreu, localizado na Rua Joe Soares Ferry, número 2420, no bairro Primavera é o hospital referência em atendimento de urgência psiquiátrica. Telefone: (86) 3222-2910.

O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) também pode ser acionado por meio do número 192.

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