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O melancólico fim da biografia de Regina Duarte

A atuação da secretária especial da Cultura é um reflexo perfeito do que representa o governo Bolsonaro, de desprezo pela tradição cultural brasileira

Foto: O GloboAo lado de Bolsonaro, Regina Duarte perdeu o rumo
Ao lado de Bolsonaro, Regina Duarte perdeu o rumo

A atuação da secretária especial da Cultura, Regina Duarte, é um reflexo perfeito do que representa o governo Bolsonaro, de viés autoritário, extrema-direita, contaminado por ideologias obscuras, que apologizam o terror e a ditadura, e desprezo pela tradição cultural brasileira, uma das mais importantes do mundo. Em entrevista, Regina Duarte, que, ironicamente, já foi, durante a ditadura, a “Namoradinha do Brasil”, demonstrou total descontrole emocional diante de sua grande incoerência ao tentar explicar porque está onde está.

A atriz se mostrou perdida, sem respostas quanto às políticas públicas a serem adotadas pela Secretaria Especial da Cultura (Secult), órgão secundário na gestão do presidente Jair Bolsonaro, que extinguiu o Ministério da Cultura, rebaixando-o à atual condição. Sua falta de argumentos, durante a entrevista à CNN, ficou patente sobretudo quando foi exibido um vídeo da colega Maitê Proença, criticando a gestão da Secult e perguntando sobre o que o governo federal faz para socorrer os profissionais do setor.

Ao final da lamentável aparição, interrompida às pressas, Regina Duarte se recusou a ouvir o vídeo de Maitê Proença, se debateu na poltrona, arrancou os fones de ouvido, humilhou uma profissional da emissora que a entrevistava – “quem é você?” – e escreveu mais uma linha do melancólico fim de sua biografia. Confusa, emparedada, chegou a resignar-se, baixar a cabeça, diante da pergunta sobre seus prováveis substitutos, já cogitados pelo Palácio do Planalto, claramente avaliando que a experiência com a atriz não deu certo.

No limbo da história

Ela surgia como uma solução bem vinda e vista simpaticamente pelos generais palacianos que aconselharam o presidente a convidá-la, pois sua aquisição emprestaria certa simpatia à imagem de um governo tão reprovado e mal visto, à maioria dos brasileiros e mundialmente. Terminou caindo numa cilada ao não perceber que sua história e a visão cultural do governo Bolsonaro são inconciliáveis, ficando no pior dos mundos, limbo, sob fogo cruzado entre seus próprios colegas de profissão e a ala ideológica de Olavo de Carvalho.

Regina Duarte vinha e continua sendo fritada pelo gabinete do ódio e uma série de fake news disseminadas nas redes sociais, e só não foi defenestrada porque sua saída agravaria o ambiente ruim caracterizado com a súbita série de demissões ministeriais determinadas por Bolsonaro durante a pandemia. Submerso em sua pequenez, o presidente só consegue ver o próprio projeto de poder, e expele tudo aquilo que não o interessa ou representa ameaça a seus interesses pessoais e familiares. A secretária não percebeu isso.

Como observaram vários nomes importantes das artes, é triste ver a atriz tentando justificar, para preservar o cargo, o estado de exceção, o regime de 64, que prendeu e torturou milhares e matou pelo menos centenas de brasileiros. Difícil não reagir com perplexidade à omissão e descaso inexplicáveis de Regina Duarte, ao não homenagear publicamente, como secretária, em nota oficial, a perda de referências nacionais, como Rubem Fonseca, Aldir Blanc e Flávio Migliaccio. Tudo em nome do obscurantismo, o pior papel que ela representou.

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