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Não há juízes negros no novo TRF de Minas Gerais

O agosto de 2022 entra para a história com essa marca racista e inaceitável que nos causa grande repulsa e desgosto

Foto: DivulgaçãoNegros na magistratura
Negros na magistratura

 

Por Álvaro Maciel, administrador, contador, compositor, no 247 

O Brasil “comemora” 200 anos de independência na quarta feira, 07/09/2022. Nesta jornada, tem-se que o primeiro censo demográfico, realizado em 1872, indicou uma população de 10 milhões de habitantes, sendo 3,8 milhões de brasileiros brancos de origem europeia (39,1%), mas o maior contingente populacional registrado foi o de pessoas de origem africana livres, com 4,3 milhões de pessoas (42,8% do total). A população escravizada era de 1,5 milhão de habitantes (15,2% do total). Neste passo é fato que 5,8 milhões de habitantes ou 58% da população brasileira era formada por seres humanos negros em 1872. O último censo demográfico realizado no Brasil, de 2010, indicou uma população total de 191 milhões de habitantes, sendo autodeclaradas 97,1 milhões pardas e pretas (50,9 % do total).

Neste contexto, chamo a atenção para a análise um fato político recente: foram nomeados no dia 11/08/2022, dezoito magistrados para compor o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), criado pela Lei n. 14.226/2021. Todos os desembargadores são brancos e escolhidos pelo presidente da República a partir da lista formada pelo Pleno do Superior Tribunal de Justiça.  Um agosto entre para a história como essa marca de grande desgosto.

Tem-se que em Minas Gerais, os resultados do IBGE mostram que 45,4% dos mineiros autodeclararam-se brancos contra 53,5% que se denominaram negros. De acordo com os dados oficiais podemos inferir que a maioria da população brasileira e, especificamente, a população mineira, é composta de pessoas negras (pretas e pardas), e, apesar dos esforços políticos do Conselho Nacional da Magistratura, a composição étnica brasileira não se reflete nos quadros de pessoal da Magistratura Nacional, uma distorção nefasta causada pela vontade discricionária dos mandatários. 

Ao pé da letra o poder discricionário pode ser entendido como aquele conferido por lei ao administrador público para que, nos limites nela previstos e com certa parcela de liberdade, possa adotar, no caso concreto, a solução mais adequada satisfazer o interesse público. Logo essa não representatividade étnica dos quadros da Magistratura Nacional precisa ser questionada, tanto pelo pondo de vista legal, quanto pela visão sociológica do fato. 

Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que o interesse público deve ser despersonalizado e que este não consiste no interesse pessoal de cada um, mas abrange o interesse do todo, no entanto sem deixar de observar o interesse de cada parte que compõe esse todo. Já o doutrinador Miguel Reale afirma, em sua teoria tridimensional do direito, que Direito é Fato, Valor e Norma. Fato: a maioria da população é negra. Norma: a CF/88 é fundamentada na dignidade das pessoas que não devem ser discriminadas. Valor: os juristas negros brasileiros também podem ser membros de tribunais estaduais, federais e superiores, desde que não estejamos em um país institucionalmente racista.

No campo das relações sociais o interesse público deve se ajustar à vida social em função dos costumes de determinada sociedade.  Dessa forma, estamos lidando com o relativismo ético que se baseia nos costumes e na cultura de cada sociedade particular. Portanto, determinados atos administrativos precisam ser avaliados com mais atenção por parte dos movimentos sociais e políticos.  No caso do Brasil estamos falando de uma sociedade formada por vários grupos étnicos, onde o povo negro representa a parcela majoritária da população e colabora expressivamente para formação cultural e econômica de nosso país. Se conseguimos avanços na representatividade negra em importantes espaços como no teatro, dança música, cinema, TV e literatura, a discrepância que há referente sua representatividade nos espaços de poder ainda precisa ser debatida. 

Mesmo que por definição os atos discricionários sejam considerados a palavra final para o direito administrativo, não podemos silenciar diante de tamanha aberração de casos como a nomeação de dezoito magistrados para compor TRF6 MG, criado pela Lei n. 14.226/2021, onde todos os juízes são brancos, em um país no qual a maioria da população é negra. Estamos completando 10 anos da política de cotas e a lei ainda não reserva cotas nos tribunais regionais ou superiores, bem como não há reserva de vagas para negros na pós-graduação pública, lato ou stricto sensu. 

O agosto de 2022 entra para a história com essa marca racista e inaceitável que nos causa grande repulsa e desgosto. Afinal, qual é o motivo de nenhum jurista negro ter sido nomeado como desembargador para o tribunal recém-criado? 

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