Pensar Piauí

Matando a tiros

Matando a tiros


Por Arnaldo Eugênio, doutor em antropologia
No contexto atual de violência, intolerância, medo social e insegurança, as populações de muitos países estão se conscientizando do verdadeiro perigo que representam as armas de fogo para a vida em sociedade. Porém, outras populações, menos comprometidas com a preservação da vida humana e os direitos humanos, ignoram inúmeras tragédias que se sucedem no cotidiano. A consequência mais visível vem da tomada de decisão política: por um lado, a consciência leva à restrição de armas de fogo e, por outro, a ignorância (e a mercadorização) coopta para a flexibilização de armas de fogo.
Por exemplo, no Japão, na Austrália e no Reino Unido nenhum civil é autorizado a usar armas de fogos. No Brasil, há um processo político (de caráter mercantil) para a flexibilização da posse (e, em breve, do porte) de armas de fogo, como uma suposta forma de enfrentamento da violência. Especificamente, no Reino Unido, com a lei de 1996, a posse e o porte são proibidas para a população civil. O efeito positivo é o baixo índice de homicídios e outros crimes – p.ex. 853 homicídios na Inglaterra, em 2004.
No Brasil, tem-se 29,1 mortes para cada 100 mil habitantes. De 2004 a 2014, o número de homicídios cresceu 21,9%, cujas armas de fogo foram responsáveis por 76,1% das mortes e os estados do Nordeste têm os piores indicadores do país – Maranhão (+379,2%), Ceará (+324%) e Rio Grande do Norte (+296,5%). Do total de homicídios cometidos em 2014, mais de 76% foram realizados com o uso de armas de fogo (44.861). De 2004 para 2016, a alta foi de 14,1% (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2016).
Supostamente, as primeiras armas de fogo, mesmo improvisadas, surgiram na China com a invenção da pólvora – uma mistura de salitre, enxofre e carvão vegetal –, no século IX. Inicialmente, se utilizava a pólvora em tubos de bambu para atirar pedras, pois aquela explode em contato com o fogo. No século XIII, os árabes aperfeiçoaram o invento, passando a utilizar os canhões de madeira com cintas de ferro. No século XIV, surgiram os primeiros canhões de bronze e deu-se o desenvolvimento do armamento pesado e individual.
Contrariando os céticos à restrição de armas de fogo como mecanismo de redução de mortes violentas, em recente levantamento de dados divulgado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (2019), em média, “a cada 60 minutos, uma criança ou um adolescente morre no Brasil em decorrência de ferimentos por arma de fogo”. No período entre 1997 e 2016, mais de 145 mil jovens com até 19 anos morreram em consequência de disparos acidentais ou intencionais – p.ex. em homicídios e suicídios.
Em 2016, conforme o Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM) foram registrados 9.517 óbitos entre crianças e adolescentes no país, sendo quase o dobro de óbitos daqueles identificados há 20 anos – em 1997, foram 4.846 óbitos –, coincidindo com o crescimento do tráfico de armas no país. O levantamento mostra que, a cada duas horas, uma criança ou adolescente dá entrada num hospital da rede pública de saúde com ferimento por disparo de arma de fogo. Entre 1999 e 2018, foram registradas mais de 96 mil internações de jovens no Sistema Único de Saúde (SUS).
No Brasil, estão matando crianças e adolescentes a tiro com armas de fogo – homicídios (94%), intenções indeterminadas (4%), suicídios (2%); além de acidentes (1%), tentativas de homicídio (67%), acidentes com armas de fogo (26%) – a despeito da proteção integral (ECA,1990).

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