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“Julgamento de Suzane Richthofen foi manipulado", diz advogado

Advogado e escritor diz ainda que o julgamento deveria ser anulado

Foto: DCMSuzane von Richthofen
Suzane von Richthofen

O advogado Marcos Ferreira, que esteve no julgamento de Suzane Richthofen questiona a forma do ocorrido. Ele lançou um livro nesta semana, ancorado no sucesso dos filmes da Amazon Prime Vídeo. No documento que o DCM teve acesso, ele mostra que houve falhas processuais. Ele é enfático e diz que uma das maiores criminosas do país não teve um julgamento justo. Além disso, o advogado defende que ela não é mentora da morte dos pais.

Marcos participou de parte do julgamento mais midiático do século a convite do próprio Ministério Público. À época do tribunal, ele fazia parte da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP. Com isso, o escritor chegou a ficar no plenário, ao lado do MP.

O DCM conversou com Marcos e o advogado explicou a situação. Para ele, Suzane não é sociopata e quase foi inocentada pela morte do pai, Manfred. O jurista diz ainda que ela foi manipulada pelo namorado – o verdadeiro psicopata da história.

O que te motivou a escrever o livro?

Eis uma pergunta que todos me fazem. Logo no início do meu livro, nos esclarecimentos, eu chamo a atenção para o fato de que nunca é tarde para corrigir a história. Exatamente por pensar assim e adquirir um pouco mais de maturidade pessoal e profissional, é que resolvi tirar de dentro de mim esse grito que estava preso na garganta. Chega de ficção! Acho que já passou da hora de rediscutirmos o Tribunal do Júri e a política da manipulação. Minha esperança é que meu livro abra o debate.

Por que tanto tempo depois do julgamento?

Embora o crime tenha ocorrido no ano de 2002 e o julgamento em 2006, até hoje ele é lembrado de alguma forma pela sociedade brasileira. Inicialmente, o respeito que tenho pelo meu amigo, Dr. Nadir de Campos Júnior, um dos promotores do caso que teria me franqueado o acesso ao julgamento, falou mais alto. Depois, minha inocência de imaginar que o ocorrido iria cair no esquecimento. Ledo engano. Quando menos se espera, há uma discussão sobre a saidinha da Suzane, alguém lança um livro, filme, como ocorreu ainda esta semana e pode perceber, todos contando a mesma história.

A “menina rica que matou os pais por causa da herança”. Mas você sabe por qual razão esse filme lançado tem duas perspectivas antagônicas? Porque uma delas faz parte do factoide criado deliberadamente pelo Ministério Público, uma verdadeira farsa, que coloca Suzane na condição de mercenária, que teria manipulado o namorado e o irmão para dar fim à vida dos pais por causa do dinheiro que existia nas imaginárias contas bancárias da família Richthofen na Europa. Onde, segundo os promotores do caso, teriam 30 milhões de euros depositados.

Essas contas nunca apareceram, ou melhor, nunca existiram. E sabe qual era o objetivo dessa falaciosa narrativa? Manipular a opinião pública desde o princípio e incutir no imaginário popular antes do julgamento, via imprensa, a ideia de que a motivação dos criminosos, notadamente de Suzane, era ficar com o dinheiro.

Foto: DCMMarcos Ferreira
Marcos Ferreira

Você diria que, com base no julgamento, qual deveria ser a pena de Suzane Richthofen?

Primeiro, é bom que todos saibam que Suzane quase foi absolvida pela morte do seu pai, Manfred. Mas, com base num julgamento justo, sem o “vale tudo” e sem o jogo de cartas marcadas, com a defesa de Suzane atuando de forma mais zelosa, especialmente no sentido de defender Suzane como partícipe do crime, ou seja, alguém que apenas auxiliou para que o crime ocorresse, como de fato aconteceu, ela poderia ter uma redução da pena entre 1/3 e 1/6, grosso modo, calcularia uns vinte e poucos anos. É muita coisa, mas com essa pena ela já estaria na rua há muito tempo.

Suzane Richthofen é tida como uma sociopata. Você concorda com a definição?

Definitivamente, eu não concordo com estereótipos clínicos projetados por “especialistas de ocasião”. Basta questionar: qual profissional, seja psicanalista, psicólogo, psiquiatra ou qualquer outro especialista na área, teria coragem de dizer na imprensa que Suzane é um ser humano normal? Nenhum. Qualquer profissional enterraria sua carreira se dissesse isso. Não é o que a sociedade quer ouvir.

Mas vá perguntar às pessoas que conviveram com Suzane antes e após o crime, ou mesmo nos presídios, os carcereiros, as colegas de cela, os diretores, até com a família do seu atual companheiro, todos vão dizer a verdade sobre ela. Suzane Richthofen, portanto, está muito longe de ser uma sociopata. Aliás, sustentar essa ideia é, de certa forma, necessário para legitimar os abusos que foram cometidos no seu julgamento. O que é um erro.

Se nos atermos à época dos fatos e ao que consta do processo, tudo prova que Suzane não passava de uma adolescente que teria desabrochado, estava em busca da sua autonomia e da sua liberdade, pois tinha o sonho de viver o amor de conto de fadas. Mas, teve a infelicidade se entregar e se apaixonar cegamente por um verdadeiro bandido. Esse, sim, um psicopata! Daniel Cravinhos, sim, foi um assassino frio, calculista e mercenário. Na minha ótica e por razões óbvias, foi ele quem planejou tudo, produziu os porretes e, não satisfeito, fez questão de executar pessoalmente os pais de Suzane, após convencer o irmão de ajudá-lo.

Olha, por tudo que vi e li do caso, não tenho dúvida de que Suzane foi usada e manipulada durante os três anos de namoro. E bastou seus pais rejeitarem Daniel, totalmente dominada, Suzane foi colocada contra a parede e forçada a tomar uma decisão imposta por ele – em razão do seu desejo de vingança -, e num momento de extrema vulnerabilidade, Suzane Richthofen foi convencida de que consentir com o pior (morte dos seus pais) parecia ser necessário e a melhor decisão da sua vida. Ouso dizer que, na condição de adolescente, após estudar inúmeros casos envolvendo jovens entre 13 e 17 anos loucamente apaixonadas, Suzane também foi vítima de Daniel Cravinhos.

Com base no seu livro e na sua visão, é possível afirmar que Suzane Richthofen sofreu uma injustiça? A Justiça Brasileira errou com Suzane Richthofen?

Veja, se pensarmos na justiça como sendo aquela igual para todos, na qual todos têm o dever de respeitar o devido processo legal e os princípios que regem o processo penal, bem como o ritual da instituição Tribunal do Júri, tenho absoluta convicção de que sim, houve exageros. Tudo que o Tribunal do Júri não permite foi usado contra ela. Costumo dizer que o que aconteceu com ela foi um justiçamento.

Veja, mas isso não significa dizer que eu a vejo como uma coitada que não merecia ser condenada. Definitivamente, não é isso. Suzane errou e ser condenada era o mínimo que se esperava. Falo, entretanto, especificamente da lisura processual. Acerca disso, basta te perguntar se algum dia você soube de um julgamento do júri onde o acusado teria sido interrogado duas vezes, sendo a segunda solicitada pelo próprio Ministério Público que não satisfeito, colocou duas cadeiras de frente para os jurados e ficou abraçado com o acusado enquanto ele, aos prantos, mudava seu depoimento anterior? Nunca! Mas isso aconteceu no julgamento de Suzane Richthofen.

Cristian Cravinhos falou em duas oportunidades. Esse é só um exemplo. E sabe por que isso aconteceu? Porque o Ministério Público precisava que Cristian colocasse a culpa toda em Suzane, algo que ele não teria feito no primeiro interrogatório. Mas não pense que foi tudo de graça. Veja se na sentença o Dr. Alberto, juiz do caso, considerou o agravante de paga e promessa de recompensa (Cristian participou do crime pelo dinheiro). Não. Cristian teve um ano a menos de pena que todos por causa de um acordo feito com o Ministério Público em pleno julgamento do júri para dar suporte à coautoria de Suzane. Isso é justiça?! Não.

Aliás, num país sério, esse júri seria considerado NULO. E quando não se corrige erros assim, não é somente o condenado que perde, é a sociedade como um todo.

Fale um pouco do processo criativo do livro.

Na verdade, a despeito dos longos anos que se passaram, esse caso sempre me inquietou e todos os detalhes por mim presenciados, virava e mexia, insistiam em visitar minha memória. Portanto, escrever este e-book foi para mim como uma espécie de livramento, necessário e oportuno. Lógico, com todas as nuances e com a perspectiva de um advogado criminalista aficionado pela legalidade e pela justiça – no sentido latu -, que não só se ateve ao ocorrido, mas às questões técnico-jurídicas que envolveram todo processado.

Meu silêncio havia perdido a razão. Embora nutra um respeito imenso pelo meu amigo, Dr. Nadir de Campos Júnior, um dos promotores do caso, tenho que a verdade deva prevalecer. Não é justo que alimentemos a ideia do monstro que não deve voltar ao convívio social, quando muitos outros se servem do poder para se vangloriarem como os paladinos da moral e dos bons costumes.

Conte um pouco da sua vida.

Sou natural de Pereira Barreto, interior do Estado de São Paulo, advogado há 22 anos, dos quais 10 anos dedicados ao Tribunal do Júri. Atualmente, moro em Toronto, Canadá. Tenho um filho de 17 anos, do qual sou “pãe” (pai e mãe) desde os 3 anos. Atualmente, estou casado, continuo advogando à distância e nos últimos meses tenho me dedicado a escrever. O próximo e-book, aliás, será sobre a vida do apresentador Gugu Liberato.

Fui advogado do garoto que o processou por danos morais em razão do abuso sexual sofrido por ele desde os seus 14 anos. Acho que será bem interessante. Enfim, em razão da minha idade, acho que cansei de hipocrisia. Portanto, tudo que escrevo está sob a égide da mais absoluta sinceridade. É o meu grito de liberdade!

Detalhe: meu real desejo seria confrontar o Ministério Público, os roteiristas do filme e o escritor do livro de ficção sobre Suzane, Ulisses Campbell. Se pudessem lançar o desafio e me proporcionar esse momento, seria um imenso prazer!

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