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Jeniffer e Selma: Mulheres que homens mataram

Mais duas mulheres que entraram para a triste estatística de feminicídio no Brasil

Foto: Montagem Pensar PiauíJeniffer Capella e Selma Regina, vítimas de Feminicídio
Jeniffer Capella e Selma Regina, vítimas de Feminicídio

Jeniffer Capella do Amaral, 18, foi encontrada morta pela Polícia Civil na tarde desta quinta-feira (4) em um terreno próximo à casa do seu namorado, na Baixada Fluminense. Ela estava desaparecida havia 15 dias. Segundo a família da vítima, o namorado confessou o feminicídio à polícia.

Jeniffer saiu de casa no último dia 21 em um carro de aplicativo. As investigações mostraram que a jovem tinha como destino a casa do namorado. Ela não fez mais contato com a família.

Segundo o padrasto da jovem, Jonas de Santana, o casal havia terminado o namoro no fim de 2018 e a família não sabia que eles tinham voltado a se encontrar.

“Ela tinha engravidado dele em 2018, mas ele não quis assumir o bebê, disse que era muito novo. Aí, eles terminaram, ela acabou perdendo o bebê. Até isso tudo acontecer, não tínhamos nada contra ele. Ficamos surpresos ao saber que ela tinha ido encontrá-lo“, disse o padrasto. “Nem sonhava com isso. A polícia nos mostrou as conversas no Instagram deles dois. Não sabíamos que eles haviam voltado.”

Jonas diz ainda que a polícia chegou até o namorado após identificar o motorista do aplicativo responsável pela corrida de Jeniffer. Durante as investigações, os parentes afirmaram que não havia motivo para Jennifer fugir ou desaparecer espontaneamente de casa.

O caso ocorreu em Magé (RJ) e foi encaminhado para o núcleo de descobertas de paradeiros da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF). Procurada, a Polícia Civil do Rio confirmou que o corpo foi localizado e disse que as investigações sobre o caso continuam em andamento.

Também existe a história de Selma, uma vítima de feminicídio que aguarda por justiça. 

O tabelião do Cartório de Protesto de Títulos de Feira de Santana, Eden Marcio Lima de Almeida, é acusado de ter espancado a esposa Selma Regina Vieira até a morte, com a ajuda de sua amante, Ana Carolina Lacerda Dantas. O crime de feminicídio aconteceu em abril de 2019 em Salvador, mas até essa semana o fato nunca tinha sido noticiado na imprensa feirense e o principal acusado leva sua vida normalmente, residindo em Feira de Santana.

Somente em 19 de novembro de 2020 o Ministério Público da Bahia (MP-BA) pediu a prisão preventiva de Eden Márcio e Anna Carolina. Porém, a denúncia ainda está pendente de recebimento pelo 2º Juízo da 1ª Vara do Tribunal do Júri. As agressões ocorreram no dia 14 de abril de 2019, na residência da vítima, em um condomínio, na Avenida Paralela, em Salvador. No mesmo dia ela foi internada no Hospital São Rafael, e três dias depois veio a óbito em decorrência de uma hemorragia intracraniana.

Foto: Reprodução Redes SociaisSelma Regina Vieira, Eden Marcio Lima de Almeida e Anna Carolina Lacerda
Selma Regina Vieira, Eden Marcio Lima de Almeida e Anna Carolina Lacerda

Fraude Processual

Conforme a denúncia apresentada pelo MP-BA, houve fraude processual, por parte do acusado, com possível auxílio de agentes públicos, o que dificultou e atrasou as investigações. Eden é acusado de vender o celular da vítima na “Feira do Rato”, por R$500,00 e remover o veículo do local onde se encontrava, impedindo a análise da perícia. Ele também teria apagado dados do computador pessoal de Selma, o qual ela usava como diário, onde provavelmente haveria muitos relatos sobre a situação de violência em que vivia.

Ainda de acordo com o documento assinado pelo promotor Davi Gallo, após o ocorrido, a prima da vítima dirigiu-se até a Delegacia de Polícia e após conversa com o Delegado Antônio Fernando foi orientada a ir até a 12ª Delegacia de Polícia-Itapuã. Entretanto, as Delegacias Territoriais não possuem atribuições para investigar os crimes dolosos contra a vida, os quais são atribuição exclusiva do DHPP, Departamento de Homicídios. O laudo cadavérico aponta que Selma faleceu de hemorragia subdural, isso significa que ela foi atingida na cabeça por um objeto contundente. O diagnóstico foi confirmado por outros médicos especialistas em neurocirurgia, e foi descartada a hipótese da morte ter sido causada por uso de drogas. A defesa constituída por Eden insiste na tese de que a causa da morte seja por uso de entorpecentes.

Violência psicológica e sexual

Selma e Eden estavam casados há 24 anos e tinham 2 filhas. Segundo relatos de pessoas próximas ao casal, Eden sempre foi uma pessoa violenta e constantemente agredia Selma fisicamente. A vítima já deu entrada em Hospitais por 10 vezes, devido as escoriações causadas pelas agressões. Nunca houve nenhuma denúncia, pois Selma tinha medo de perder a guarda das filhas. Segundo a denúncia, nos últimos anos do casamento, Eden começou a ter amantes e obrigava a vítima a aceitar os casos extraconjugais e até a participar das relações com outras mulheres. Dessa forma o casal conheceu Anna Carolina Lacerda Dantas, que começou a fazer parte do relacionamento, formando um triângulo amoroso. Anna Carolina também chegou a ser agredida fisicamente por Eden, e registrou ocorrência na Delegacia da Mulher.

Dia do crime

No dia 13 de abril de 2019, por volta das 2h da madrugada, Eden, Selma e Anna Carolina foram a uma festa eletrônica em Salvador. No local fizeram a ingestão de substância entorpecente e álcool. Retornaram ao apartamento localizado no edifício Tribeca às 09h43 e lá ficaram durante o transcorrer de todo o dia. Já a noite, enquanto combinavam de sair para comer uma pizza, a amante fez um comentário íntimo causando uma briga entre os três. Assim começou a sessão de pancadaria. Selma foi atingida em diversas partes do corpo, como cabeça, pernas, braços e rosto.

Na tentativa de se livrar das agressões, Selma pegou a chave do carro e fugiu do apartamento, entrou no veículo e saiu sem rumo, bastante machucada e já inconsciente. Durante a fuga ela ligou para seu cunhado pedindo socorro, afirmava desesperadamente que Eden tinha lhe machucado na cabeça e que precisava ir ao médico, pois estava com tanta dor, que o olho estava fechando. Neste momento a vítima parou o carro em um posto de gasolina nas imediações da Avenida Paralela, pois já não mais reunia condições de dirigir o veículo. Os frentistas do posto socorreram Selma e chamaram a SAMU.

Inicialmente chegou a primeira ambulância para prestar atendimento, no entanto, diante da gravidade do quatro foi necessário acionar uma outra ambulância com melhores recursos para dar suporte, ante a gravidade dos ferimentos constatados e pela necessidade da vítima ser entubada. Neste período ela teve cerca de cinco paradas cardiorrespiratórias. Quando o cunhado chegou ela já não estava mais consciente e não reagia. Selma foi levada ao Hospital São Rafael. Eden foi contactado imediatamente, mas não apareceu no local na mesma noite, apenas no dia seguinte.

Éden Marcio é tabelião do Cartório de Protesto de Títulos em Feira de Santana. Por isso, a Comissão da Mulher da Ordem dos Advogados (OAB) disse, em nota, que repudia o caso e exige uma apuração imparcial e justa dos atos de violência sofridos pela vítima, para que os responsáveis sejam devidamente punidos. A prisão preventiva dos suspeitos foi solicitada pelo Ministério Público, pelo crime de feminicídio e sem possibilidade de defesa da vítima, mas a Justiça ainda não definiu um parecer sobre o pedido. O Tribunal de Justiça da Bahia informou que, no momento, cabe ao juiz dar prosseguimento à fase processual, ouvindo testemunhas de acusação e defesa, assim como peritos e os réus.

Brasil registra um caso de feminicídio a cada 7 horas

O Brasil teve um aumento de 7,3% no número de casos de feminicídio em 2019 em comparação com 2018. Foram 1.314 mulheres mortas pelo fato de serem mulheres –média de uma a cada 7 horas, segundo levantamento feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.

Os estados com a maior taxa de feminicídios são Acre e Alagoas: 2,5 a cada 100 mil.

Os casos mais comuns desses assassinatos ocorrem por motivos como a separação.

A alta dos casos de feminicídio acontece na contramão do número de assassinatos de mulheres no Brasil em 2019, o menor da série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública –redução de 14% dos homicídios dolosos.

Desde 9 de março de 2015, a legislação prevê penalidades mais graves para homicídios que se encaixam na definição de feminicídio – ou seja, que envolvam “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.

Entenda o que é feminicídio

Por dia, três mulheres são assassinadas, vítimas do feminicídio, no Brasil. A cada dois segundos, uma mulher é agredida no país. Quase 80% dos casos, os agressores são o atual ou o ex-companheiro, que não se conformam com o fim do relacionamento.

O feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher em decorrência do fato de ela ser mulher ou em decorrência de violência doméstica. Quando o assassinato de uma mulher é decorrente, por exemplo, de latrocínio (roubo seguido de morte) ou de uma briga entre desconhecidos ou é praticado por outra mulher, não há a configuração de feminicídio.

Para ser considerado feminicídio, o crime tem que se encaixar em dois tipos de casos:

Violência doméstica ou familiar

Quando o crime resulta ou é praticado juntamente à violência doméstica, o homicida é um familiar da vítima ou já manteve algum tipo de laço afetivo com ela.

Esse tipo de feminicídio é o mais comum no Brasil, ao contrário de outros países da América Latina, em que a violência contra a mulher é praticada por desconhecidos, geralmente com a presença de violência sexual.

Além dos altos índices de homicídio de mulheres, existem ainda muitos casos de estupro e lesão corporal gerada por violência doméstica.

Menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher

Quando o crime resulta da discriminação de gênero, manifestada pela misoginia e pela objetificação da mulher, geralmente com a presença de violência sexual.

Piauí cresce o número de denúncias no Salve Maria 

Mais mulheres vítimas de violência doméstica acionaram o aplicativo Salve Maria no primeiro semestre de 2020, quando comparado ao primeiro semestre de 2019, aponta o 4º Boletim de Ocorrências de Violência Contra a Mulher, divulgado pela Secretaria Estadual de Segurança Pública. O Piauí já registra, somente no ano de 2020, 16 vítimas de femicídio, sendo que 13 ocorreram no primeiro semestre do ano. 

Foto: Polícia CivilFeminicídio

Como denunciar

Em casos flagrantes de violência sexual, o 190, da Polícia Militar, é o melhor número para ligar e denunciar a agressão. Policiais militares em patrulhamento também podem ser acionados. O Ligue 180 também recebe denúncias, mas não casos em flagrante, de violência doméstica, além de orientar e encaminhar o melhor serviço de acolhimento na cidade da vítima.

O Piauí também conta com o aplicativo Salve Maria para receber denúncias.

Com informações do Pragmatismo Político e Blog do Velame 

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