Acredite ou não, pela primeira vez na história deste país é decretada uma intervenção federal a um estado. A imprensa mundial repercutiu e o foco dos debates vai além da real necessidade da medida anunciada. O caráter mais político da decisão se sobressaiu, inclusive como uma "cortina de fumaça" para a pauta da reforma da previdência, cuja votação fica adiada por conta do decreto. O governo Temer - fracassado - estaria adotando a medida para colocar a pauta da segurança agora em evidência, num verdadeiro espetáculo midiático tendo como principal parceria a Rede Globo.
Para o jornal espanhol El País, abre-se um "inédito e incerto capítulo" na história do Brasil. É fato que a decisão final caberá ao Congresso Nacional, que deve apreciar o decreto nos próximos 10 dias. Na prática, é como se o Rio de Janeiro, o terceiro Estado em população, passasse a ter dois governadores em exercício em pleno ano eleitoral. Um deles continua sendo Luiz Fernando Pezão (MDB), e o chamado "interventor federal", um general do exército, Walter Souza Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste e, agora, chefe máximo das polícias Militar e Civil, Corpo de Bombeiros e da Administração Penitenciária fluminenses.
Em entrevista ao jornal, a socióloga Julita Lemgruber, ex-diretora do sistema penitenciário do Rio e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), destaca que a situação de falência na segurança pública já vem de anos. "O que me chama atenção é o fato de que outros Estados têm um quadro também muito grave. A intervenção no Rio responde a uma pressão da mídia que colocou o foco no Rio de Janeiro", argumenta ela. "Não nos enganemos. A intervenção pode momentaneamente transmitir sensação de segurança, mas, se não resolvemos algumas questões básicas da política de segurança do Rio, não vamos a lugar nenhum", diz.
O escritor e cronista Anderson França, conhecido como Dinho e morador do Cachambi, na periférica Zona Norte do Rio, descreveu este temor de que mais abusos sejam cometidos. "Para o sujeito comum que está na comunidade, a sensação de medo está aumentando. Hoje eu vi pessoas nas redes sociais dando dicas: "Saiam com seus comprovantes de residência E nota fiscal provando que o que é seu é seu, levem identidade, avisem alguém no zap por onde anda...." É uma sensação terrível. Porque serão esses moradores que vão pagar o preço. Do Alemão, da Maré, da Rocinha, das periferias...", explica ele, que diz ter a sensação de estar vivendo em um estado de sítio. "O general é hoje o governador na área de segurança. É uma resposta muito dura, muito pesada. A primeira vez que minha geração vê isso", argumenta.
Repercutiu novamente na imprensa nacional as declarações do comandante-geral do Exército, o general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, em dezembro passado, sobre uso "constante" da tropa em "intervenções" nos Estados. Ele se disse "preocupado" com o emprego do Exército nas ações respaldadas pela lei de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). "A segurança pública precisa ser tratada pelos Estados com prioridade “Zero”. Os números da violência corroboram as minhas palavras", afirmou o militar em sua conta no Twitter.
ALERTA
Um projeto de lei aprovado no final do ano passado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Governo Temer prevê que crimes cometidos por militares durante operações especiais em território nacional sejam julgados não mais em um tribunal civil, mas sim em um tribunal militar. Isso significa que eventuais abusos contra os direitos humanos serão apurados e julgados pelos próprios militares, enfraquecendo o controle civil sob as Forças Armadas.
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