Eleições 2022

As redes vão decidir a eleição/Emergência na deep web

"Em 2018, o PT foi pego de surpresa com o volume e engajamento das redes fascistas. Em 2022, parece que o partido não aprendeu nada", aponta Fernando


Foto: Montagem Pensar PiauíHelena Chagas e Fernando Horta
Helena Chagas e Fernando Horta

 

Veja os artigos do historiador Fernando Horta e da jornalista Helena Chagas, no Brasil 247, onde eles revelam quão importante é a internet no processo eleitoral. 

A continuidade do fascismo à frente do Executivo brasileiro pode ser conseguida através da internet. Veja:

As redes vão decidir a eleição

Por Fernando Horta, historiador

As redes vão decidir a eleição

A frase acima já era verdade em 2013.

A eleição de 2014, especialmente no segundo turno, foi vencida nas redes sociais

Na eleição de 2018, o PT foi pego de surpresa, na passagem do primeiro para o segundo turno, com o volume e engajamento das redes fascistas. Perdemos.

Em 2022, parece que o partido não aprendeu nada.

Do dia 03 de outubro até o dia 07 de outubro, as redes bolsonaristas (agora sob comando exclusivo do Carluxo) produziram conteúdos e engajaram mais pessoas do que em todo o primeiro turno SOMADO. As sinergias digitais entre os canais de campanha, canais acessórios (como o Brasil Paralelo), perfis de influencers e a máquina de mentiras ganharam para Bolsonaro de 3 a 4%. Ao mesmo tempo, a rejeição a Bolsonaro diminuiu e a de Lula aumentou. Num cálculo rápido, imagino que Bolsonaro esteja atingindo entre 30 e 50 milhões de pessoas por disparo coordenado de suas redes. São centenas de disparos coordenados por dia.

Todo esse trabalho que Bolsonaro coloca em prática, foi tributário daquele que o MBL fez, a partir das manifestações de 2013. Desde 2013, portanto, há a preparação dos canais de comunicação nas redes da direita. São 9 anos de trabalho miúdo e silencioso para criar redes hierárquicas e sinérgicas. São 9 anos construindo sentidos linguísticos comuns. São 9 anos criando percepções de tempo e realidade próprias, e tornando-as consensos pela massificação de informações erradas ou distorcidas.

Foram duas eleições (2018 e 2020), 9 anos de ataques, um governo derrubado e dezenas lideranças presas. Não há desculpa para que o maior partido de esquerda da América Latina não tenha se preparado.

Ante à onda bolsonarista nas redes, nós respondemos com Janones e pedidos de “denúncia” das fakenews, esperando que o TSE faça alguma coisa. Já está claro que o tribunal não tem intenção e nem conhecimento, ou mesmo material humano para fazer. Verdade seja dita, a capacidade da Internet em produzir conteúdo é milhões de vezes maior do que a toda burocracia instigada pela militância de esquerda tem poder de conter.

O vídeo criminoso do tal “Vick Vanilla”, provavelmente pago e pensado diretamente pelo gabinete do ódio, começou a circular ainda no dia da eleição, e as redes de esquerda só foram se dar conta daquele conteúdo na metade da terça feira. Na quarta feira (dia 05), o TSE ordenou a retirada do vídeo das plataformas do Youtube. Em 72 horas o número de impressões desse conteúdo (pessoas que tiveram acesso a ele) deve ter sido da casa de dezenas de milhões. E o vídeo segue no whatsapp e no telegram. Intocado.

Ontem já devem ter sido produzidos mais centenas de conteúdos bombásticos para serem usados hoje, e hoje, enquanto você lê esse texto, mais conteúdos estão sendo produzidos para serem lançados amanhã. Agindo no gap de 72 horas (entre a veiculação do conteúdo e sua proibição por magistrado) Bolsonaro capitaliza votos. Tentar lutar contra isso na base da janonização das redes e da denúncia é como enxugar gelo na chuva.

A incompetência na gestão da informação e do mundo digital do partido não conseguiu sequer transformar em vantagens o apoio (e engajamento!) de Felipe Neto, de Anitta e dos centenas de artistas que voluntariamente estão se doando pelo medo do fascismo. Os inúmeros políticos eleitos pelo Brasil estão sozinhos, sem rede de sustentação sinérgicas, para o trabalho digital. O partido faz campanha com a mentalidade da década de 80, trocando a cola de grude pela live do influencer aos gritos, e o cartaz colado nas paradas de ônibus, pelo vídeo de 5 minutos sem nenhuma adequação ao mundo digital (linguagem, oportunidade e engajamento) do século XXI.

Nem mesmo a figura mais carismática, expressiva e politicamente relevante do Brasil hoje – Lula – está sendo bem aproveitado. Estamos num barco sem direção, e vamos passar três semanas sendo bombardeados incessantemente. No final, tenho fé que vamos vencer num 51-49, colocando os bofes para fora, e chorando de desespero. Venceremos por causa de Lula e de nada mais.

E não precisava ser assim. Não podia ser assim. Não deveria ser assim. Se ganharmos essa eleição, perdemos a próxima, e todas as demais, enquanto o partido não se der conta que política hoje não é panfletagem e comício. É meme, engajamento, linguística e dados. Muitos dados. 

Emergência na deep web

Por Helena Chagas, jornalista

Abaixo da superfície de comícios, debates e briga de postagens no Twitter e no Facebook, entre outros atos de campanha que conseguimos acompanhar, está correndo um megaesquema bolsonarista de disseminação de fake news que pode ter funcionado na reta final do primeiro turno e, certamente, vai operar no segundo. Denunciado pelo ativista Felipe Neto em sua conta do Twitter neste domingo, está sendo identificado também por especialistas em redes que conseguem acessar os movimento da deep web.

Esses profissionais chegam a suspeitar que sua atuação - que pouco tem a ver com os embates que acompanhamos diariamente nas redes - tenha tido influência decisiva no placar que acusou uma distância muito menor do que se esperava entre Lula e Jair Bolsonaro na primeira rodada.

Obviamente, essa ação não foi detectada pelos institutos de pesquisas. Tomou corpo principalmente às vésperas da eleição, e tem como instrumentos principais o WhatsApp, o e-mail e o Telegram, usados para repassar vídeos bem feitos, com aparente verossimilhança - mas que, obviamente, são mentirosos. Há inclusive montagens em que Lula faz discursos falsos, dizendo o que nunca disse.

É o velho esquema comandado por Carlos Bolsonaro em 2018, só que agora turbinado pelos recursos de quem está no poder. No governo, Bolsonaro pode ter acesso a telefones - e, portanto, zaps - da maioria da população brasileira. Seus amigos empresários, por sua vez, podem fornecer dados de malas diretas e de clientes que passam a ser alcançados pelo e-mail.

Sem falar no dinheiro. O chororô sobre a falta de recursos na campanha bolsonarista é puro fingimento - ou melhor, refere-se àquele financiamento eleitoral que se dá às claras, com a obrigatoriedade de prestação de contas para todos os partidos.

Nas profundezas do caixa 2 - que, é claro, não acabou -, correm recursos não apenas de ricos bolsonaristas brasileiros, mas também dólares de esquemas norte-americanos relacionados ao trumpismo. Suas ferramentas conseguem identificar o eleitor, suas preferências e hábitos, e enviar a mensagem certa para a pessoa certa na hora certa.

Não chega a ser uma surpresa o fato de Bolsonaro estar usando intensamente, e com muito maior alcance, o esquema que colaborou para sua eleição em 2018.  O que espanta é o fato de seus adversários, notadamente o ex-presidente Lula, não terem se preparado melhor para esse tipo de investida.

Não seria preciso fazer a mesma campanha desonesta de difamação, mas mergulhar na tal deep web, detectar ataques e desconstruí-los. Ao que parece, porém, a campanha de Lula ainda está na superfície digital. Fez um bom trabalho acima dela, mas insuficiente para conter a mega onda de fake news que deve crescer ainda mais às vésperas do dia 30.

O quer fazer agora? O próprio Felipe Neto disse não saber. O bem intencionado TSE tenta combater as fake news, mas não tem instrumentos para detectá-las nesse grau e padece da lentidão natural das decisões judiciais - que têm que levar em conta apurações e direitos de defesa.

Emergência na deep web 

Não é tarde, porém, para reagir com uma campanha gigante de propaganda e esclarecimento ao eleitor sobre as mentiras que pode estar recebendo. É pouco, mas, se mobilizar a militância e ganhar o apoio de milhões de eleitores, e dos meios de comunicação, poderá atenuar seus efeitos eleitorais.

Estes artigos não representam, necessariamente, a opinião do pensarpiauí

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