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Decisão de juíza sacramenta a precarização do trabalho

Não se pode confundir trabalho com emprego, diz juiz do TRT-SP, Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar. Justiça brasileira diverge sobre o tema.

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A ação movida pelo Ministério Público do Trabalho contra as empresas de delivery iFood e Rapiddo, ambas do grupo iFood, que pedia o reconhecimento do vínculo empregatício dos entregadores, foi julgada improcedente pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região de São Paulo (TRT-SP), e declarou a não existência de vínculo de emprego. A decisão é da juíza Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar, em primeira instância e cabe recurso. 

A ação pedia uma multa de, no mínimo, 24 milhões de reais, valor equivalente a 5% do faturamento bruto do grupo iFood. Segundo o MTP, os aplicativos de delivery contratam empregados “disfarçados na figura de trabalhadores autônomos”, com o intuito de sonegar o vínculo de emprego e os direitos daí recorrentes.

A decisão, no entanto, diverge da proferida em dezembro do ano passado pela juíza Lávia Lacerda Menendez, da 8ª Vara do Trabalho de São Paulo, que determinou que a empresa Loggi, que trabalha com serviço de entrega rápida via motoboys em alguns estados brasileiros, contrate até maio de 2020, pelo regime CLT, todos os motociclistas cadastrados, sob pena de multa de 10 mil reais por infração e uma compensação pecuniária de 30 milhões de reais a serem revertidos para instituições não governamentais. Seriam dois pesos e duas medidas?

A juíza também determinou o pagamento de adicional de periculosidade de 30% sobre o frete e que a jornada dos profissionais compute o tempo integral de coleta e de entrega das mercadorias, incluída a espera pelo cliente e a conclusão do frete, não podendo ser maior que oito horas diárias. A sentença prevê ainda a reserva de 24 horas de descanso remunerado, obriga a implementação de controle de jornada, requer o fornecimento de capacetes e coletes reflexivos, pede a disponibilização de bases de espera com condições sanitárias e requisita o oferecimento de água potável.

“Para que uma nação seja próspera, cada qual deve ter a exata noção de seu valor e de sua responsabilidade: deve o trabalhador cumprir seu ofício com dedicação e eficiência, deve o empregador dar condições dignas de trabalho e remuneração justa e cabe ao Estado fornecer tanto ao empregador quanto ao trabalhador todas as condições para que ambos possam desenvolver suas atribuições no máximo de suas
capacidades”, escreveu a juíza. 

Porém, em 20 de dezembro, o desembargador Sérgio Pinto Martins emitiu decisão que suspendeu o reconhecimento de vínculo de entregadores com a Loggi. A suspensão tem caráter temporário e é válida até que o tema seja julgado por uma turma do TRT-2.

TRT-SP

Em um texto de 31 páginas, a juíza Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar, pediu que o modelo de contrato do grupo Ifood seja observado “sem romantismo” e sustenta que a melhoria da proteção ao trabalho humano deve ser assunto para o poder Legislativo. “Observado o contrato de emprego sem romantismo, é de se esperar que haja uma parcela significativa da população com habilidades, capacidades e ânimo para o trabalho de outra forma que não em contrato de emprego e, existindo mecanismos capazes de gerar tais oportunidades de trabalho, devem ser regulados com o objetivo de cumprirem sua função social”, argumentou.

A  magistrada foi taxativa: não se pode confundir “trabalho” com “emprego” e o intermédio da tecnologia inova as formas de organização do trabalho. Ela afirmou, ainda, que uma parcela da população, em especial as gerações mais jovens, não nutre “simpatia pelo contrato de emprego” e não se molda às suas obrigações, não recebe bem a direção do empregador, não gosta de cumprir horários e regras, de modo que “o trabalho como empregado torna-se um fardo muito pesado e, em muitos casos, causador de distúrbios da saúde”.

Ela reconhece que o contrato de emprego traz “atrativos”, como férias de 30 dias, 13º salário, descanso semanal remunerado e fundo de garantia. Por outro lado, diz a magistrada, “traz um uma série de obrigações”, como o cumprimento de jornadas, o estabelecimento de horário para entrada e saída, a necessidade de trabalhar em dias de sol ou de chuva, nos dias em que acorda bem humorado ou mal humorado, no dia de seu aniversário, ou do cônjuge ou do filho, e penalidades em caso de falta. “Ainda, há que sujeitar aos humores do chefe, dos colegas e não se pode deixar de registrar que as férias serão concedidas no interesse do empregador, ou seja, quando melhor convier ao empregador”, diz. “Há quem entenda atualmente ‘que o empregado deve se pagar’, ou seja, somente é interessante e será mantido na estrutura do empregador se produzir mais do que recebe.

Em nota, a empresa iFood comemorou a decisão da Justiça e disse que a juíza reconheceu que a tecnologia transformou as relações de trabalho. Segundo a companhia, a Justiça mostrou entender que, na “Nova Economia”, diferentes oportunidades de trabalho são geradas e que é necessário respeitar o direito do profissional em escolher como e quando trabalhar.  “Celebramos essa decisão histórica no país e no mundo que preserva o direito de profissionais optarem por atuar de forma flexível e destaca que a economia está mudando com as novas tecnologias – temos que pensar juntos em como criar leis modernas que, ao mesmo tempo, gerem a estes profissionais renda, oportunidade e bem-estar, trazendo crescimento e desenvolvimento econômico ao nosso país – este é o futuro”, diz o CEO do iFood, Fabricio Bloisi.

Informalidade e economia compartilhada

Ano passado, dados do IBGE revelaram que 38,8 milhões de pessoas trabalham sob condições informais no Brasil, equivalentes a 41,1% de todos os trabalhadores no país. Desse número, 24,6 milhões trabalham por conta própria, maior número na série histórica desde 2012. E segundo o próprio Instituto, as ocupações informais seguem liderando a geração de vagas de emprego. 

Com o desempenho tímido da economia após a recessão e o mercado de trabalho ainda custando a se recuperar, aplicativos de serviços – como Uber, 99, iFood e Rappi – se tornaram, em conjunto, o maior ‘empregador’ do País. Quase 4 milhões de trabalhadores autônomos utilizam hoje as plataformas como fonte de renda, segundo matéria do Estadão de abril do ano passado. Se eles fossem reunidos em uma mesma folha de pagamento, ela seria 35 vezes mais longa do que a dos Correios, maior empresa estatal em número de funcionários, com 109 mil servidores. 
 

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