Pensar Piauí

Crianças não são propriedade dos pais. A escola é um direito delas

O assédio da direita contra os profissionais da educação é uma ameaça contra professores e também contra estudantes

Foto: ReproduçãoEscola
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Por Luiz Felipe Miguel, professor, no facebook 

Não é surpreendente que, como corolário da campanha de muitos anos contra os professores, à direita tenha agora no chamado homeschooling uma de suas bandeiras.

O homeschooling, uma proposta historicamente abraçada por fanáticos religiosos e abusadores, não é apenas uma prática antirrepublicana. É uma ameaça à formação das crianças, uma ameaça à sua integridade física e moral. É um abuso contra seus direitos.

Outro dia, uma deputada federal de extrema-direita tentou impulsionar uma campanha em solidariedade à família que estaria sendo multada por não mandar os filhos para a escola.

Aconselhado por um demônio mau, fui na postagem da parlamentar bolsonarista e fiz dois comentários breves.

Meu primeiro comentário: a punição aos pais relapsos era apenas o cumprimento da lei. De fato, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina, em seu artigo 55, a obrigatoriedade da escolarização das crianças.

Este é um direito fundamental das crianças, que se sobrepõe ao pátrio poder, da mesma forma como, por exemplo, a garantia da integridade física dos filhos.

Vários mínions me responderam negando que a lei exista – bela manifestação da “realidade alternativa” em que vive a extrema-direita. Outros simplesmente disseram que os pais “têm o direito” de prender os filhos em casa, não importa o que diga a lei.

O segundo comentário era sobre a importância da escola como espaço de socialização. Na escola, além dos conteúdos das matérias, crianças e jovens têm um espaço para aprender a conviver com as diferenças.

Eu lembrava que as crianças não são propriedade dos pais e devem receber os instrumentos para pensar com a própria cabeça e ganhar a capacidade de interpelar criticamente até mesmo os valores que recebem em casa.

Foi aí que surgiram as respostas mais impressionantes.

Alguns negavam a ideia de que as crianças devem conviver com a diversidade, isto é, abraçavam um tribalismo indisfarçado. Outros diziam que dentro da família já tem diversidade suficiente (sintoma de um universo mental bem limitado). Não faltou quem se atrapalhasse com as letras e respondesse que já tem “adversidade” suficiente nas famílias – aí eu tenho que concordar!

Mas a linha geral era afirmar que filhos são, sim, propriedade dos pais. E que, portanto, os pais podem fazer o que bem entendem com eles.

Mesmo com uma explicação clara, era difícil entenderem que crianças têm direitos e devem ser respeitadas. Se não são propriedade dos pais, diziam, passariam a ser propriedade do Estado. Afinal, alguém ter que ser o dono delas.

É a mesma lógica que fez com que a direita estrilasse tanto contra a Lei Menino Bernardo, que proibiu o espancamento dos filhos pelos pais.

Como disse a socióloga francesa Christine Delphy, na família impera um “estado de exceção”: nela, os direitos de seus integrantes estão suspensos.

A escola serve também para se contrapor a isso: para libertar as crianças dos pais. E vice-versa...

A ideia de que a escola é um espaço de “doutrinação” e que os professores são inimigos também é generalizada neste público. O império do “marxismo” e da “ideologia de gênero” aparece como autoevidente, a tal ponto que qualquer constatação é invalidada antes mesmo de ser levada em conta.

O assédio da direita contra os profissionais da educação rende frutos. É uma ameaça contra professores e também contra estudantes. Combatê-lo deve ser uma política de Estado.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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