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Centrão age nos bastidores para impedir votação de prisão em 2ª instância

O assunto, que foi tratado como prioridade em 2019, saiu da pauta e não há previsão de que retorne ainda este ano

Foto: Pablo Valadares/Agência CâmaraComissão que analisa PEC em segunda instância
Comissão que analisa PEC em segunda instância

Com informações Congresso em Foco 

A proposta que inclui na Constituição a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância foi atropelada pela nova base do governo Bolsonaro no Congresso. O assunto, que foi tratado como prioridade em 2019, saiu da pauta e não há previsão de que retorne ainda este ano.

Além disso, a pandemia, que impediu o funcionamento das comissões, e agora as eleições tornam improvável a volta do tema à pauta em 2020.

Com grande número de parlamentares sob investigação, o chamado Centrão, bloco informal de partidos de centro-direita e direita que virou a principal base de sustentação do governo, resiste ao prosseguimento da proposta de emenda à Constituição que trata do assunto. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), também tirou a matéria de seu discurso, o que tem incomodado defensores da PEC.

O autor, o relator e o presidente da comissão que trata do assunto adotaram uma estratégia para tentar jogar luzes sobre o debate novamente. Alex Manente (Cidadania-SP), Fábio Trad (PSD-MS) e Marcelo Ramos (PL-AM), respectivamente, marcaram uma live para esta quarta-feira (30), às 9h (com transmissão pelo YouTube), para a apresentação do relatório. Trad entregou suas conclusões, mas somente agora fará a leitura. As reuniões foram suspensas em março após a fase de audiência pública.

A intenção, segundo ele, é despertar a sociedade e o Congresso para necessidade de debater o tema, aprovando-se ou não a PEC. “Será como uma comissão paralela. Vamos fazer com mesmo rito de uma reunião presencial, fazendo como o regimento determina. Vou ler o relatório e outros deputados poderão se manifestar. Vamos fazer nossa parte”, disse Trad.

Para o relator, a saída do ex-juiz Sergio Moro do Ministério da Justiça deixou o governo à vontade para se afastar completamente da discussão."O governo não quer. E o Centrão é o governo hoje. As forças ativas que mobilizam de fato as proposições estão juntas para não aprovar. Nossa tática é provocar a votação, ainda que a PEC não seja aprovada. Vamos ver quem é quem”, afirmou Trad.

“Quando Moro estava no ministério, o governo não tinha condições de se opor frontalmente à PEC. Com a saída do Moro, o governo ficou mais à vontade para se omitir, como de fato está fazendo”, acrescentou o deputado.

Na avaliação de Marcelo Ramos, que preside o colegiado, o principal obstáculo é a impossibilidade formal da retomada das comissões. “Sei que tem residência de setores do centrão. Mas o governo, que eu tenha percebido, não manifestou qualquer reação. Queremos mostrar que nós da comissão estamos prontos e desejamos sua reinstalação e a aprovação do relatório”, disse o deputado.

Ele critica a suspensão do trabalho das comissões, postura para ele cômoda para a cúpula do Congresso. “Na verdade, além da prioridade para muitos ser agora a eleição, essa situação sem funcionamento da Câmara é muito cômoda para líderes e para a Mesa, já que concentram todo o poder de decisão neles”, reclamou.

Autor da PEC, o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) vê uma combinação de “forças ocultas” para tentar impedir o avanço da proposta. “Essas forças ocultas, que não aparecem, trabalham para que a PEC fique paralisada. Podem estar no Centrão, em partidos de esquerda e no governo. Neste momento estão invisíveis”, afirmou o deputado.

“Quando foi votado na CCJ tivemos esmagadora maioria. As pessoas trabalham ocultamente para não se expor. Se for a votação, dificilmente quem já falou a favor voltará atrás. Seria votar contra a punição contra a corrupção e a favor da impunidade”, ressaltou. Na Comissão de Constituição e Justiça, o texto foi aprovado por 22 votos a um.

O texto já enfrentava oposição do PT, do PCdoB e do Psol, que, juntos, não têm bancada suficiente para barrar a votação. Os três partidos combatem o mecanismo da prisão em segunda instância desde a prisão do ex-presidente Lula em 2018 após condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Alterar a Constituição para diminuir os recursos a que uma pessoa tem direito vai aumentar a população carcerária do país e abrir caminho para injustiças, de acordo com o deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Ele lembra que, no Brasil, 40% dos presos ainda não tiveram suas sentenças transitadas em julgado.

“Muitas das sentenças no Brasil são corrigidas no STJ [Superior Tribunal de Justiça], muitas das prisões ilegais são corrigidas no STJ ou no STF [Supremo Tribunal Federal]. Não há razão para tirar mecanismos tão caros à Constituição brasileira”, declarou o petista na última semana em plenário, ao se posicionar contra o pedido de deputados para que a PEC voltasse à pauta.

O silêncio do Congresso em relação ao assunto abre caminho para o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir, conforme já adiantou o novo presidente da corte, Luiz Fux. A avaliação de parlamentares diretamente ligados à proposta da Câmara é que uma eventual decisão do Supremo será limitada apenas aos casos criminais, enquanto a PEC em discussão no Congresso inclui todos os ramos do direito, como trabalhista, eleitoral, tributário e administrativo.

Para o relator da PEC, só há uma forma de o texto não ser engavetado em definitivo. “Sem mobilização popular e presença nas redes das pessoas para que sensibilizem os parlamentares, dificilmente ela será aprovada no plenário”, considera Trad.

Alex Manente defende que haja uma mobilização na sociedade em torno da proposta, da mesma forma que houve, segundo ele, na votação na CCJ. “É preciso ter mobilização da sociedade para que a proposta tenha prioridade na Casa. Precisamos dar resposta ao país. Vamos começar a pressionar para ter votação”, defendeu.

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