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Canalhas, canalhas, canalhas: padre ajuda e alimenta necessitados, vereadores o perseguem

Vereadores de SP aprovam instalação de CPI para perseguir Lancellotti

Foto: ReproduçãoPadre Júlio Lancellotti
Padre Júlio Lancellotti

São Paulo, uma das maiores metrópoles do mundo, enfrenta uma crise humanitária, concentrando 24,8% do total de pessoas em situação de rua no Brasil de acordo com dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos, lançado em 2023 pelo Ministério dos Direitos Humanos. Os números surgem quando vereadores de extrema-direita da maior cidade do país decidem instaurar uma CPI para investigar quem ajuda a população de rua, não as causas do problema em si.

Dez municípios brasileiros, incluindo São Paulo, concentram 51,5% da população em situação de rua. Além da capital paulista, cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre, Curitiba, Campinas e Florianópolis enfrentam desafios semelhantes.

No contexto estadual, São Paulo lidera com 41% da população em situação de rua, seguido por Minas Gerais (11%), Rio de Janeiro (9%), Bahia (5%) e Paraná (5%). Os dados de 2023, provenientes do Cadastro Único, destacam um perfil majoritariamente masculino (88%), pessoas negras (68%) e adultos, com 57% na faixa etária de 30 a 49 anos.

Problemas familiares (44%), desemprego (38%) e o uso de álcool ou drogas (28%) são os principais motivos apontados para a situação de rua. Surpreendentemente, 67% dessas pessoas já tiveram emprego com carteira assinada. Entre elas, 14% apresentam algum tipo de deficiência, sendo a física a mais comum (47%), seguida por transtornos mentais (18%) e deficiências visuais (16%).

Entretanto, em meio a essa crise, surge uma controvérsia envolvendo o padre Júlio Lancellotti, figura reconhecida por sua atuação em prol dos moradores de rua. Vereadores de São Paulo planejam instalar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das ONGs, com foco na atuação do padre na cracolândia e sua relação com entidades locais.

A iniciativa, proposta pelo vereador Rubinho Nunes (União), ex-membro do Movimento Brasil Livre (MBL), visa, supostamente, investigar organizações que trabalham com pessoas em situação de rua. A CPI, programada para fevereiro, pode ter implicações eleitorais, dada a proximidade de Lancellotti com Guilherme Boulos (PSOL), pré-candidato à Prefeitura de SP em 2024.

Foto: Folha SPAutor da proposta de CPI
Autor da proposta de CPI

Nunes deve direcionar a CPI especificamente ao Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto (Bompar) e ao coletivo Craco Resiste, ambas atuantes na região central com a população em situação de rua e dependentes químicos. A Bompar, entidade filantrópica ligada à igreja católica, já contou com a participação passada do padre como conselheiro. Enquanto isso, o coletivo Craco Resiste foca na resistência à violência policial na cracolândia.

O padre Júlio Lancellotti negou ter qualquer convênio com a Prefeitura de São Paulo após se tornar alvo da CPI . O vereador bolsonarista Rubinho Nunes acusa Lancellotti de firmar parcerias com as entidades. Em nota divulgada pelo religioso, no entanto, ele esclarece que não tem qualquer “convênio com o poder público” ou qualquer vínculo a atividades que possam ser investigadas pelo colegiado.

Leia a nota do padre Júlio Lancellotti na íntegra:

A instalação de CPIs é uma prerrogativa do poder legislativo, sendo legítimas em suas atribuições. As CPIs devem ter um objetivo delimitado em sua criação, sendo que neste caso, pelo que se tem notícias, o abjeto que trouxe base para criação desta CPI seria a investigação/fiscalização das “Organizações Não Governamentais (ONGS) que fornecem alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento aos grupos de usuários que frequentam a Cracolândia”, ou seja, seria a fiscalização do cumprimento de convênios estabelecidos entre o Poder Público e as organizações conveniadas.  

Esclareço que não pertenço a nenhuma Organização da Sociedade Civil ou Organização Não Governamental que utilize de convênio com o Poder Público Municipal. A atividade da Pastoral de Rua é uma ação pastoral da Arquidiocese de São Paulo, que por sua vez, não se encontra vinculada de nenhuma forma, as atividades que constituem o objetivo do requerimento aprovado para criação da CPI em questão.

Foto: ReproduçãoKakay
Kakay

 

Em solidariedade ao Padre Júlio, Kakay, advogado criminalista emitiu uma nota em defesa do líder religioso. 

“Inacreditável o que estão tentando fazer com o Padre Júlio. Como estou fora do país não estou acompanhando nos detalhes, mas tenho certa experiência em CPI e não vejo como uma possa investigá-lo. Quero ver qual vai ser o fato determinado e específico e qual o interesse público.

Uma vez eu era advogado da CBF – e não tinha interesse publico, não tinha dinheiro público, mas abriram uma CPI política. Num debate na USP sustentei que não poderia haver CPI. Uma promotora disse, sem outro argumento, que o futebol era “patrimônio nacional, imaterial”, aí eu contra-argumentei que poderíamos ter a CPI da bunda, também um patrimônio nacional.

Abriram a CPI, mas nós ganhamos.

TODO APOIO AO PADRE JÚLIO. CONTRA O GOVERNO QUE PERSEGUE POLÍTICAS HUMANITÁRIAS”.

Onda de apoio

O padre Júlio Lancellotti tem recebido uma onda de apoio nas redes sociais após se tornar alvo da CPI a ser criada ainda. Coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, ele distribui comida, roupas e livros para pessoas em situação de rua. O padre atua na defesa dos mais necessitados há cerca de 40 anos e se tornou alvo da CPI após Rubinho receber supostas “denúncias” sobre a atuação de ONGs no Centro da cidade.

Marcelo Freixo, presidente da Embratur, aponta que a Câmara Municipal paulista decidiu “perseguir quem dedica sua vida a fazer o bem”. “Esses vereadores, o que fazem pelos mais pobres? Eles logo serão esquecidos, mas Padre Júlio segue sendo uma grande referência de coragem e caridade”, afirma.

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) diz que a instalação da CPI é “inadmissível”. “Enquanto a cidade está ao léu, tentam perseguir quem está ao lado da população, lutando por moradia digna, comida e políticas públicas efetivas”, aponta a parlamentar.

A criação do colegiado também foi criticada pela ativista e deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que chama o movimento contra o padre de “absurdo e obsceno”.

“Tinha que ser obra dos mimados e criados a danoninho do MBL. Investigar o desperdício de comida? A inação da prefeitura para criar políticas públicas de moradia, emprego e segurança alimentar? Não… os politiqueiros não ligam para isso. Querem desestimular a solidariedade com uma caça às bruxas que vai desperdiçar dinheiro público”, aponta a deputada.

Outros perfis do X (ex-Twitter) defendem transformar a onda de indignação em um movimento para arrecadar recursos ao trabalho do religioso e ajudar as pessoas mais necessitadas. Veja o movimento em defesa de Padre Júlio Lancellotti:

Foto: ReproduçãoContribuição do pensarpiaui para a Paróquia São Miguel Arcanjo
Contribuição do pensarpiaui para a Paróquia São Miguel Arcanjo

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