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Brasil sem internet: usina no Ceará ameaça derrubar comunicação no país

A Praia do Futuro não "é um local adequado" para a usina e que a solução deveria ser "buscar outro local para ela", diz especialista

Foto: Diário do NordesteUsina de dessalinização
Usina de dessalinização

 

diariodonordeste - A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ressaltou o "risco significativo" da instalação de usina de dessalinização, pela Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará (Cagece), na Praia do Futuro, em Fortaleza. A região abriga hub internacional de cabos submarinos, por onde passa "99% do tráfego de dados" do País, segundo informou o ministro das Comunicações, Juscelino Filho. No total, são 16 cabos submarinos — com a projeção de chegar a 20 —, o que transforma Fortaleza no 2º maior hub de cabos submarinos do mundo. 

A preocupação da Anatel não se concentra apenas na construção da usina — prevista para começar no primeiro trimestre de 2024 —, mas também durante a operação do equipamento, que está projetado para começar a funcionar em 2026. 

"Existe risco significativo durante a construção da usina e das tubulações que captam e devolvem a água para o mar, tendo em vista a existência de passagem dos dutos em locais próximos onde estão instalados os cabos submarinos. Além disso, durante a operação da usina, podem ocorrer dificuldades relacionadas à manutenção preventiva e corretiva dos cabos e alterações no leito marinho onde os cabos estão posicionados", diz a Agência Nacional de Telecomunicações.

O presidente da Cagece, Neuri Freitas, no entanto, rebateu as críticas e falou sobre as medidas adotadas para que a usina não ofereça nenhum risco.  O projeto da usina foi modificado, para afastar as tubulações da usina de onde ficam localizados os cabos submarinos.

A distância passou de 50 metros para 500 metros, como explica Silvano Porto, coordenador do Projeto da Dessalinização do Ceará: "Seguindo recomendação exposta pela Anatel, a partir de consulta às operadoras de cabos submarinos, o projeto foi modificado de forma a atender o distanciamento mínimo de 500m entre os cabos submarinos e as infraestruturas submarinas da planta, de forma a não trazer riscos destas infraestruturas impactarem nos cabos".

Neuri Freitas reforça dizendo que "risco no mar não tem nenhum mais". E acrescenta: "Eu acho que já não tinha, a uma distância de 50 metros, já não dá para mexer nos cabos, principalmente com as tecnologias existentes e com a engenharia que existe hoje. Mas eles achavam que isso era um risco, nós mudamos, estamos a 500 metros, não dá nem para chegar perto dos cabos dele. Não tem o menor sentido falar em risco no mar".

A  Anatel informou que "ainda está avaliando o novo projeto" apresentado pela Cagece. 

Risco para internet do Brasil e do Nordeste

Especialista em telecomunicações e presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude disse que o aumento da distância feito pela Cagece no projeto da usina de dessalinização não deve diminuir o risco trazido pela instalação do equipamento na mesma região dos cabos submarinos. "Não é suficiente", avalia. 

Para Tude, a Praia do Futuro não "é um local adequado" para a usina e que a solução deveria ser "buscar outro local para ela". Indagado sobre os possíveis riscos trazidos, ele ressalta que "todo o tráfego da região Nordeste" passa pela Praia do Futuro e um acidente faria com que toda a região ficasse "sem internet". Como o tempo para reparo dos cabos é longo, mesmo com a proximidade da costa, os estados nordestinos poderiam ficar "dias sem internet em toda a região". 

Como os cabos seguem para outras regiões brasileiras e mesmo outros países, o "efeito é muito grande", ressaltou o especialista. O impacto sobre a internet em todo país também foi ressaltado por representantes de operadoras de telefonia que participaram do seminário “Conexões Políticas: a importância dos cabos submarinos”, realizado nesta segunda-feira (25) em Fortaleza e que contou com a participação do ministro das Comunicações, Juscelino Filho. 

O deputado federal Danilo Forte (União Brasil) ressaltou, durante o evento, que "é muito certo que dê errado". "Nós temos o principal entroncamento de cabos submarino, e um dano gerado nessa situação pode corresponder não só a uma ruptura do sistema, como também a uma desqualificação do serviço", disse.  

Neuri Freitas, no entanto, aponta que esse é um "medo abstrato" e que ainda não foram apresentados, à Cagece, dados sobre os riscos oferecidos pela instalação da usina. "Eles não têm estudos para isso", ressaltou. 

"Eu percebo que eles estão usando uma reserva de mercado, eles não querem nenhuma outra infraestrutura para a Praia do Futuro, só a deles. À medida que eu coloco uma planta de dessalinização lá, segundo eles, vai estar tirando espaço para chegar mais cabos, para qualquer outra situação deles, então vejo uma privatização da praia no formato que eles querem. Eles não dizem isso, mas é o sentimento que eu tenho", disse Freitas

Análise do projeto é necessária

Doutor em Telecomunicações pela Universitat Politècnica de Catalunya (Espanha) e professor do Departamento de Computação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Emanuel Bezerra Rodrigues confirma que existe risco na instalação da usina de dessalinização, mas é mais ponderado quanto ao impacto para a internet, seja no Nordeste ou no País. 

"Existe o risco, mas vai depender do projeto. O risco existe porque esses cabos estão interligando Fortaleza com outras cidades da África, da Europa e dos Estados Unidos. Muito tráfego passa por esses cabos", disse. "Mas eles ficam no fundo do mar. Sabendo exatamente onde estão, é possível não impactar".

O professor e coordenador do Departamento de Telemática do Instituto Federal do Ceará (IFCE), Moacyr Moreira, explica que a maioria dos cabos de fibra óptica não sofre interferência eletromagnética, ou seja, perturbações cujas consequências são falhas no funcionamento.  

"Uma distância de 500 metros (como está no planejamento da usina), geralmente, não é para ter interferências, mas precisamos realmente avaliar o projeto", disse. "Não vejo sendo algo muito problemático se souber a localização, mas não tenho como dizer com certeza, pois não faço parte da equipe do projeto".

Sobre o distanciamento de 500 metros adotado pela Cagece, Emanuel Bezerra Rodrigues pondera não poder avaliar se é uma distância suficiente para a proteção do cabeamento, sendo necessário esmiuçar os pontos técnicos para saber quais medidas foram estipuladas para diminuir os riscos.

O que dizem as operadoras de telefonia?

Questionadas sobre os impactos da usina nas conexões submersas na Praia do Futuro para os consumidores, as companhias Claro, Tim e Vivo disseram que a Conexis Brasil, representante das maiores operadoras nacionais de telecomunicações, responderia de forma coletiva. 

A Conexis, contudo, afirmou apenas estar acompanhando as discussões e que as telefonias associadas “manifestam preocupação com os riscos apontados pela área técnica da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)”. 

"As empresas reforçam ainda a importância de se manter a integridade dos cabos submarinos para a disponibilidade de todo ecossistema de telecomunicações do nosso país e manutenção da comunicação do Brasil na internet". 

A Oi e V-TAL não responderam aos questionamentos até a publicação desta matéria. Já as operadoras Alares (antiga Multiplay) e Brisante decidiram não se posicionar. A Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (Etice) também optou por não se pronunciar sobre o caso.

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