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Auxílio Brasil é distribuição de dinheiro com fins eleitorais

O Auxílio Brasil está proposto de forma atabalhoada e incompleta porque visa apenas fins eleitoreiros

Foto: DivulgaçãoAuxílio Brasil
Auxílio Brasil

Por Leonardo Sakamoto, jornalista, no facebook

O Auxílio Brasil, da forma como foi apresentado ao Congresso Nacional, não é um Bolsa Família turbinado, mas seu primo macabro, proposto de forma atabalhoada e incompleta visando a fins eleitoreiros. Mesmo o aumento perseguido por Jair Bolsonaro de R$ 190 para R$ 400, bancado com dinheiro que pode vir de dívidas com aposentados, deve durar o tempo de uma reeleição.

No afã de passar o trator sobre uma das principais bandeiras da administração de Lula, seu concorrente, o presidente está mudando a natureza do programa, o que vai influenciar em sua capacidade de ajudar pessoas a permanecerem fora da miséria. Seria o equivalente a implodir os resultados do Plano Real só para não ver os tucanos na presidência novamente.

Primeiro, é um absurdo que a criação do Auxílio Brasil no lugar do Bolsa Família tenha chegado ao Congresso Nacional na forma de Medida Provisória, reservada a ações urgentes, castrando o debate com a sociedade - o que só reforça seu caráter eleitoreiro. O governo justifica que a fome da pandemia deixou tudo mais urgente. Se Bolsonaro se preocupasse realmente com isso, não teria suspendido o auxílio emergencial de janeiro a abril e sugerido a quem passava fome que procurasse empréstimo no banco.

Segundo, a pressa de Bolsonaro em melhorar seus índices de popularidade fez com que a MP 1061/2021 tivesse mais buracos que uma esponja. Não há referências ao valor das linhas de extrema pobreza e pobreza, o que significa que você não identifica nem seu público-alvo. Não diz de onde virão os recursos. Para 2022, ano de eleição, ele quer entregar um Auxílio Emergencial de R$ 300, mais um complemento de R$ 100 de forma temporária. Para tanto, está propondo cambalachos para contornar a regra do teto de gastos públicos.

Particularmente, sou crítico ao teto. Mas ele não pode ser ignorado por conveniência: ou vale para todo mundo ou para ninguém. Permitir que ele pedale nas contas públicas para poder ganhar a eleição, é ilegal e imoral. Bolsonaro quer dar um cambau no pagamento de dívidas do governo para poder financiar o Auxílio Brasil. Como metade dos precatórios são erros no cálculo de aposentadorias e salários, muito cidadão vai ficar a ver navios. Ou seja, ele vai tirar de pobres para dar a paupérrimos.

Proposta de aplicativo para inclusão de famílias vai repetir problemas do auxílio emergencial

Terceiro, as entrevistas com famílias candidatas ao Bolsa são feitas por entrevistadores do Cadastro Único (a gigantesca base de dados que é usada por dezenas de programas sociais para famílias em vulnerabilidade) no município, ou seja, na ponta. O governo quer, contudo, privilegiar a entrada dos mais necessitados através de um aplicativo, o que dificultaria o acesso a milhões e geraria fraudes - problema que também aconteceu com a entrada no auxílio emergencial.

Os mais conectados conseguiram acesso, mas a população em situação de rua, não raro, ficou a ver navios.

Substituindo entrevistadores capacitados por um formulário em um aplicativo, você reduz a capacidade de atender de verdade às famílias, abandonando a capilaridade que garante o sucesso do programa e desumanizando-o.

Quarto, o Auxílio Brasil inclui um pacote de ações para distribuição de recursos. Um deles, prevê um "voucher" para pagamento de creche privada, o que deveria ser atribuição do poder público. Nada apontado pela MP demonstra resolverá de fato o problema de famílias mais pobres, lembrando que o poder público é que garante atendimento a quem está em difícil acesso. Outra ação, a Inclusão Produtiva Rural, prevê que agricultores pobres doem alimentos a pessoas em situação de vulnerabilidade. Considerando que, não raro, a produção não dá nem para o sustento, fica como?

O governo promete que o programa vai garantir inclusão produtiva, mas nada no programa aponta isso. Apoio a quem já tem vaga formal de trabalho? Tirar de quem já produz para a sobrevivência?

Caso Bolsonaro quisesse colher frutos eleitorais sem desmontar as boas coisas do programa, bastaria que ele simplificasse as regras, zerasse a fila de espera (o Consórcio Nordeste estima em 2,2 milhões de famílias no aguardo pelo benefício) e aumentar o seu valor médio, muito desatualizados, hoje em R$ 190. Poderia até rebatizá-lo de "Talkey Brasil", não importa o nome, desde que continuasse sendo um programa eficaz por retirar milhões da miséria.

Dessa forma, transforma o programa naquilo que ele sempre criticou: distribuição de dinheiro com fins eleitorais.

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