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Analisando o Datafolha: queda na aprovação foi pequena e previsível

Essa pesquisa Datafolha não é ruim para o governo, ainda mais considerando a maneira pragmática com que Lula costuma interpretar pesquisas

Foto: Ricardo StuckedLula
Lula

Por Miguel do Rosário, jornalista no Cafezinho  

O último Datafolha trouxe alívio para o governo e para os setores sociais que permanecem angustiados com a resiliência do terrorismo reacionário que governou o país entre 2019 e 2022.

Afinal, mesmo acuados judicialmente, por denúncias já amplamente comprovadas, de que fraudaram carteiras de vacinação e conspiraram por um golpe de Estado, os terroristas de ultra-direita ainda tem um notável poder de mobilização.

É profundamente melancólico, quase depressivo, constatar que um grupo político tão radicalmente negacionista e corrompido, ao ponto de não apenas se recusar a se vacinar, mas de usar a influência política da presidência da república para obter certificados falsos de imunização contra a Covid, ainda tem tantos adeptos junto a uma classe média com ensino médio e superior.

Mas nosso papel não é de reclamar, e sim de iluminar, na medida que nossos modestos talentos nos permitem, as razões objetivas, conquanto frequentemente obscuras, que levaram milhões de pessoas a aderirem a uma visão de mundo tão egoísta, cínica e violenta.

O alívio se explica porque o declínio de aprovação, de apenas 3 pontos, para 35% de ótimo/bom, está em linha com o que outros institutos mostraram. Em junho de 2023, Lula tinha 37%, em dezembro, 38%. Não se deve falar em tendência, porque o Datafolha mostrava, até dezembro, uma tendência de estabilidade e melhora da avalição do governo.

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Além disso, o próprio presidente Lula já reagiu da forma mais produtiva possível: interpretou o declínio de sua aprovação como um recado do povo para o governo ficar mais esperto, especialmente em relação à inflação dos alimentos.

Conforme veremos na análise a seguir, a base social de Lula é a população de baixa renda, profundamente vulnerável às mais pequenas variações nos preços dos alimentos, sobretudo dos produtos mais básicos, como arroz.

A aprovação atual de Lula – 35% – está acima da média de presidentes da república após 1 ano e três meses, que é de 30%.

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Bolsonaro, por exemplo, considerado um “fenômeno” de popularidade, tinha 33% após 1 ano e 3 meses de governo, e manteve durante a maior parte do tempo uma aprovação próxima de 30%, do início ao fim de seu mandato.

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É interessante, de qualquer forma, examinar a pesquisa no microscópio, olhando para os números estratificados, especialmente por renda e instrução.

Entre os eleitores mais pobres, com renda familiar até 2 salários, e que correspondem a 57% da população, Lula mantém uma aprovação sólida de 40%. O presidente chegou a ter 45% neste segmento nos três primeiros meses. É normal que o entusiasmo diminua após 1 ano e três meses. Até porque as principais iniciativas do governo ainda não chegaram à maturidade. A inflação de alguns alimentos básicos, como o arroz, gerou uma insatisfação previsível no eleitorado de baixa renda. A boa notícia é que há previsão de queda, para os próximos meses, no preço desses mesmos produtos. No geral, a inflação acumulada segue controlada, indicando que a alta de alguns itens tem sido compensada pela queda em outros.

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Quando olhamos para o próximo estrato de renda, de eleitores cuja família aufere de 2 a 5 salários por mês, que corresponde a quase um terço da população brasileira, entendemos porque os desafios ainda são enormes para o governo Lula, e também porque o bolsonarismo ainda resiste.

Este é um setor muito influente na política, muito mais do que no passado, em virtude da emergência das redes sociais. Na década de 90, até início dos anos 2000, a grande mídia detinha uma hegemonia total sobre o debate público. Hoje não. Alguns setores sociais, com renda e instrução suficientes para dominarem as tecnologias básicas de rede social, estão cada vez mais conscientes de seu potencial para interferir e influenciar os rumos políticos do país. O processo que levou ao impeachment da presidente Dilma representou um teste de força para esses setores, e eles gostaram do gostinho de vitória que desfrutaram.

Desde junho de 2013, o Brasil vive uma espécie de “revolução” da classe média. Este grande movimento de classe média se caracteriza por um ideário fortemente liberal, embora não tão radicalizado como o de Paulo Guedes e seus companheiros de Faria Lima e Insper, o que explica sua preferência por Bolsonaro num primeiro momento. Mas ela é também relativamente progressista do ponto-de-vista dos costumes e no respeito à ciência, o que provocará, por sua vez, uma grande dissidência deste setor, parte do qual voltará a votar na esquerda, vista como mais cosmopolita, progressista e moderna.

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O raciocínio acima fica mais claro quando se olha para a classe média superior, com renda familiar entre 5 e 10 salários, que é aquela com poder aquisitivo para comprar carros, frequentar os bares da moda nas grandes cidades, viajar para outros países e participar, em grande estilo, dos debates econômicos e políticos mais exclusivos.

A comparação entre Lula e Bolsonaro, nesse estrato, é profundamente desvantajosa para o petista, embora o Datafolha confirme o que já tínhamos constatado em outras pesquisas, que é uma recuperação de Lula junto a esta mesma classe média, ao ponto de,  após 1 ano e três meses, a aprovação de Lula nesse estrato (30%) ser muito parecida à de Bolsonaro (33%) no mesmo período. Entretanto, o mal estar da classe média com Bolsonaro, muito forte durante a pandemia (pois o cosmopolitismo dela a afasta naturalmente do terraplanismo científico daquele governo), irá se desfazer na medida em que a eleição se aproximará. Às vésperas do pleito, em 2022, ela vai tampar o nariz e voltará a apoiar fortemente o governo Bolsonaro, fazendo a aprovação deste chegar a 44% entre famílias com renda de 5 a 10 salários.

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Esse apoio maciço de Bolsonaro junto a esta classe média é que gera um fenômeno específico, muito peculiar, pois falamos aqui de um setor social com enorme visibilidade pública e presença nas redes sociais. Essa classe média superior dispõe de renda e tempo suficientes para se mobilizar com rapidez e agilidade, além de residir em áreas nobres, com maior acesso às vias principais. Ela consegue, portanto, atender mais facilmente aos convites para participar de manifestações. É muito mais fácil ir à Paulista se você mora ali do lado, num edifício no Jardim Paulista, do que se você reside no extremo sul da cidade, a duas horas de viagem num coletivo desconfortável.

Antes de aceitar a provocação da direita rica e entrar numa batalha de quem mobiliza mais gente, a esquerda deve ficar atenta a essa característica de seu próprio eleitorado.

Outro comparativo importante se refere à instrução. Talvez seja um comparativo ainda mais efetivo. Há muito tempo procuro um setor social que corresponda ao termômetro mais fiel do que chamamos de opinião pública, por isso minha tendência a olhar com tanta atenção para os estratos médios. Mas possivelmente o setor mais representativo de um opinião política mediana da sociedade brasileira seja o eleitor com instrução com formação (completa ou incompleta) até o ensino médio.

É aí, todavia, que está o maior desafio para o atual governo: construir uma política pública, em primeiro lugar, e uma comunicação, em segundo, que atenda aos interesses e agrade os ouvidos desse estrato.

O eleitor com ensino médio representa 47% do eleitorado, de maneira que ele não apenas é relevante na sociedade como constitui um estrato grande o suficiente para que, numa pesquisa, as margens de erro sejam relativamente pequenas.

Segundo o Datafolha, após um ano e meio de governo, Lula tem aprovação de 29% dos eleitores com ensino médio. Este é um percentual um pouco menor do que possuía Bolsonaro na mesma época. Lula perdeu musculatura nesse estrato, pois chegou a ter 33% em dezembro, ultrapassando Bolsonaro em igual período (32%).

Por outro lado, Lula ainda tem uma modesta vantagem sobre Bolsonaro, ainda olhando para este segmento, no quesito rejeição, pois o ex-presidente tinha 36% de desaprovação entre eleitores com ensino médio, após um ano e três meses de governo, ao passo que Lula, hoje, tem 33% de desaprovação.

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Conclusão

Essa pesquisa Datafolha não é ruim para o governo, ainda mais considerando a maneira pragmática com que Lula costuma interpretar pesquisas. Em entrevista recente ao SBT, Lula declarou que encara o declínio de sua aprovação com humildade e autocrítica: “é sinal de que não estamos trabalhando tanto como deveríamos”, disse ele. Em seguida, o presidente convocou reunião ministerial para avaliar o que o governo precisa fazer para reduzir o preço dos alimentos básicos, o que seria uma das razões para a queda na aprovação.

De fato, uma queda pequena na avaliação nas pesquisas pode ser de grande utiilidade para o governo, na medida em que, não sendo relevante o suficiente para atiçar a oposição, atua como uma pedra quente sob os pés da administração, para que ela não descanse, não fique parada, e intensifique os esforços para acelerar o crescimento econômico do país.

Os dados econômicos permanecem sólidos. A arrecadação fiscal bateu recorde no primeiro bimestre, sem que a carga tributária tenha aumentado, o que, juntamente com a queda nos juros (e estes seguem caindo, felizmente), libera orçamento para o governo executar políticas públicas mais audaciosas. Ao cabo, a melhor pesquisa do governo serão meia dúzia de índices econômicos e sociais, como a taxa de desemprego, a renda média do trabalho, a inflação e o crescimento do PIB. Se estes permanecerem positivos, nem importa tanto, ao menos para o país, qual seja a aprovação do poder executivo, porque o importante é o povo, e não o governo, estar feliz.

 

 

 

 

 

 

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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