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“A medicina (com base na maconha) é uma revolução”, diz a psiquiatra Ana Hounie

Maconha medicinal pode ser empregada com sucesso no tratamento de demências, hipertensão e outras doenças

Foto: G1Ana Gabriela Hounie
Ana Gabriela Hounie

G1 - A psiquiatra Ana Gabriela Hounie tem doutorado e pós-doutorado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Também é especialista em Síndrome de Tourette e transtorno obsessivo compulsivo. O efeito devastador dessas doenças a levou a se interessar, na década de 1990, pela utilização da Cannabis sativa como método terapêutico. No entanto, teve que esperar até 2015, quando a prescrição da maconha medicinal foi liberada pela Anvisa. De lá para cá, já atendeu a mais de 400 pacientes que fazem uso desse tipo de medicação, mas não parou por aí. Diante dos resultados positivos, começou a dar cursos para outros médicos se tornarem prescritores – cerca de 500 até agora, segundo sua estimativa.

“A medicina canabinoide tem um amplo espectro de utilização em patologias neurodegenerativas, como demências, Parkinson, esclerose múltipla ou paralisia supranuclear progressiva. Apesar disso, a medicina tradicional só segue o que é publicado em periódicos científicos ou foi aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration, o equivalente à Anvisa nos EUA). Ainda há poucos estudos publicados e nenhum interesse por parte da indústria farmacêutica, porque seu objetivo é sintetizar novas drogas e ganhar milhões com a patente, mas as famílias testemunham as mudanças dos pacientes: pessoas com demência que voltam a reconhecer os filhos e a se alimentar sozinhos. É uma revolução”, afirma, antecipando que está finalizando, juntamente com 100 colegas, entre médicos e outros profissionais, um tratado sobre a Cannabis medicinal, livro que será lançado em breve.

E como a maconha se torna um medicamento tão promissor? Nosso cérebro tem receptores (CB1 e CB2) que são estimulados por canabinoides que, por serem produzidos pelo organismo, são chamados de endocanabinoides, responsáveis por uma extensa lista de funções, incluindo ansiedade e humor. A maconha, por sua vez, tem centenas de compostos químicos, entre eles o CBD (canabidiol) e o THC (tetraidrocanabinol) – mais recentemente, outros começaram a ser estudados, como o canabigerol. Tais compostos são fitocanabinoides, isto é, também são canabinoides e, por este motivo, conseguem estimular os receptores humanos com eficiência. Resumindo: podemos nos valer dos medicamentos derivados da maconha para reparar nosso circuito interno.

“O organismo sofre ataques contínuos que vão se acumulando e o CBD é anti-inflamatório. O mecanismo da Doença de Alzheimer é o de uma neuroinflamação, e o THC consegue dissolver placas amiloides que vão se depositando, restabelecendo a comunicação neuronal. Eles abaixam a pressão, diminuem a resistência à insulina, melhoram a função da tireoide, ou seja, levam à desprescrição de medicamentos como antihipertenstivos e metforminas”, explicou a psiquiatra, acrescentando que foi somente nos anos de 1990 que a ciência passou a descrever o sistema endocanabinoide. Nos EUA, o medicamento dronabinol, produzido à base de THC, era receitado para pacientes oncológicos, submetidos à quimioterapia, ou com HIV, para estimular o apetite. Ao ser usado em casas de repouso em idosos portadores de demência com dificuldades para se alimentar, o resultado foi duplamente positivo: melhorou o apetite e diminuiu a agressividade dos doentes. Hoje há quase 60 milhões de pessoas com demência no mundo e esse número deve triplicar até 2050. Está na hora de espanar o mofo das ideias.

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