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45 anos sem Torquato Neto

45 anos sem Torquato Neto

Se estivesse vivo, o poeta piauiense Torquato Neto teria completado ontem,09 de novembro, 73 anos. Morto, porém, comemoramos exatamente um dia após a sua data de aniversário, 45 anos da sua morte. Uma boa recordação nos foi dada pelo jornalista Fernando Rosa, que escreve para portal Senhor F - Integração pela Música, que aqui compartilhamos.
Torquato Neto, poesia contra a ditadura
por Fernando Rosa
"O poeta desfolha a bandeira / E a manhã tropical se inicia / Resplandescente, candente, fagueira / Num calor girassol com alegria / Na geléia geral brasileira / Que o Jornal do Brasil anuncia …”. Assim começa Geléia Geral, com Gilberto Gil, talvez a mais importante ou, pelo menos, a mais impressionante, canção do tropicalismo, que revolucionou a música popular brasileira nos anos sessenta. O autor da letra: Torquato Neto, o maior dos poetas do movimento tropicalista, e dos mais importantes da poesia nacional. Ironicamente nascido em 9 de novembro de 1944 e morto no 10 de novembro de 1972.
Nascido no Piauí, Torquato veio para o Rio de Janeiro em 1963, depois de passar pela Bahia, onde foi estudar, devido a ter sido expulso do colégio em Terezina, por motivos políticos. Poeta desde cedo, integrou-se ao movimento tropicalista nascente, passando a compor com Gilberto Gil e Caetano Veloso por volta de 1965, destacando-se as parcerias em Louvação e Rua, no primeiro disco de Gil, e Zabelê, Minha Senhora e Nenhuma Dor, no primeiro de Caetano Veloso e Gal Costa.
Até sua morte, no Rio de Janeiro, teve suas letras cantadas por Nara Leão, Elis Regina e Jards Macalé, entre outros - que podem ser ouvidas em diversos álbuns individuais, ou no lp-coletânea Torquato Neto - O Poeta Fesfolha a Bandeira e A Manhã Tropical de Anuncia, editada pelo RioArte, em 1985.
Além das já citadas, Torquato escreveu outras obras primas do tropicalismo e de sua geração, como Marginália II, Soy Loco Por Ti America, com Capinam e Gil, Deus Vos Salve a Casa Santa e Mamãe Coragem, esta última também incluida, ao lado de Geléia Geral, no álbum manifesto do tropicalismo - Tropicália ou Panis Et Circenses. Em 1973, teve seu clássico poema Let"s Play That musicado por Jards Macalé, que batizou com o mesmo nome o álbum, já reeditado em cd, e nos anos oitenta, os Titãs, com música de Sérgio Brito, também gravaram seu poema "Go Back".
Uma grande figura humana, Torquato Neto também fez de sua coluna no jornal Última Hora trincheira para desafiar o coro dos contentes da época. Em especial, comprou uma briga frontal pela moralização dos direitos autorais. E ainda falou de música, de cinema, especialmente super-oito, e do momento difícil pelo qual passava o país e, conseqüentemente a juventude, oprimida pela repressão da censura e da tortura psicológica ou física.
Além do LP-coletânea, o livro Os Últimos de Paupéria, organizado por Wally Salomão/Sailormoon e lançado em 1973, também registra a trajetória do poeta do tropicalismo. Nele, estão alguns dos seus poemas, as principais colunas jornalísticas e uma espécie de diário de sua estadia no sanatório Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Na apresentação, Augusto de Campos despede-se do genial poeta, dizendo: só um poeta tem linguagem pra dizer "eu quero eu posso eu quis eu fiz … feijão verdura ternura e paz … tropicália bananas ao vento … um poeta desfolha a bandeira …".
O poeta Torquato Neto, de fato, foi um mestre da palavra que, por meio de suas letras, traduziu de forma sensível, apaixonada e, por vezes, desesperada, o clima, o pensamento e, acima de tudo, o sentimento de sua geração. Uma "voz" tão inesquecível quanto aquela seca página sete da edição número 31 do jornal Rolling Stone, de 28 de novembro de 1972, que, sob uma foto saturada de alto a baixo, dizia apenas: Torquato Neto, 1944-1972. Ele tinha ido, por certo, desafinar o coro dos contentes em outras dimensões ...
Pessoal intransferível
"Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada no bolso e nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso".
"Poetar é simples, como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena etc. Difícil é não correr com os versos debaixo do braço. Difícil, pra quem não é poeta, é não trair a sua poesia, que, pensando bem, não é nada, se você está sempre pronto a temer tudo; menos o ridículo de declamar versinhos sorridentes. E sair por aí, ainda por cima sorridente mestre de cerimônias, "herdeiro" da poesia dos que levaram a coisa até o fim e continuam levando, graças a Deus".
"E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. Adeusão".

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