Pensar Piauí
Doutor em Antropologia

Arnaldo Eugênio

Doutor em Antropologia

Relações afetivas: entendendo os processos educativo e socializador

Foto: Casal e famíliaAfetividade
Afetividade

Considerando ser possível discutir as possibilidades socioculturais entre o ostracismo e as relações afetivas na atualidade, parto da noção de que a análise preliminar sobre as relações sociais existentes entre o ostracismo e a afetividade, apresenta-se como desafio teórico da modernidade para entender os processos educativo e socializador na sociedade moderna. Isto é, como a alteridade é exercitada nas relações sociais – especialmente, no caso dos enamorados.

Sociologicamente, pode-se fazer uma ancoragem em autores como Marcel Mauss (1872-1950) e Norbert Elias (1887-1990), que partilham de alguns princípios epistemológicos semelhantes, que nos permite a compreensão dos processos educativos e socializadores da atualidade. O sociólogo Émile Durkheim (1858-1917), entende “a educação como um processo socializador com função homogeneizadora e diferenciadora.

Conforme a LDB (art. 1º, 1996), “a educação abrange os processos formativos (...)”. Assim, privilegia os diversos aspectos socioculturais que molda o caráter socializador aliado ao discurso político, para impor às crianças o padrão social de homem e de mulher. Logo, o “ostracismo” é construído, aprendido e, socialmente, reproduzido.

Historicamente, o “ostracismo” surgiu na antiga Grécia, para se referir a desterro político, que não importava ignomínia - grande desonra infligida por um julgamento público; degradação social; opróbrio. Ou seja, na sociedade moderna se trata de uma condenação pública, exílio, banimento, degredo, expatriação, deportação, proscrição de alguém por algum motivo.

Na obra “Modernidade Líquida”, o filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) afirma que, atualmente, experimentamos um ritmo intenso das transformações que gera angústias, inseguranças, incertezas e dá lugar a uma nova lógica, pautada pelo individualismo e pelo consumo, que se refletem, também, na dinâmica das relações afetivas – no caso, amorosas.

Empiricamente, pela compreensão das redes e estruturas sociais de transferência do comportamento sociocultural dos humanos na sociedade atual, observa-se que, em nossas relações sociais - no caso dos relacionamentos amorosos - o ostracismo afetivo é mais comum do que se imagina. Ele é produzido, através da soma de opressões, preconceitos, discriminações, rejeições e estigmas, podendo gerar a somatização - uma tendência a sofrer um desarranjo psicológico que se manifesta mediante sintomas somáticos (Wilhelm Stekel, 1924).

Na atual “sociedade líquida”, o ostracismo afetivo se espalha pelas redes sociais, sendo reproduzido em “músicas de sofrência”. Geralmente, durante uma crise no relacionamento amoroso uma das partes (ou as duas partes), dominada por fúria, deleta ou bloqueia os contatos, fotos, vídeos, mensagens e referências ao “crush”, para dá um “up” no próprio ódio, cujo objetivo deliberado é infligir dor ao “bf” (boyfriend) ou “gf”(girlfriend), recheada de “bb” (bye bye) e “rip” (rest in peace). Em muitos casos, sai-se do virtual para o real, destilando raiva, injúrias, impropérios e violência.

O ostracismo afetivo se caracteriza pelo rancor e ira. É um sentimento intenso de raiva e aversão. Na hora da treta, o ostracismo afetivo se traduz na forma de antipatia, aversão, verborragia, desgosto, rancor, inimizade ou repulsa ao “crush”, com o desejo deliberado de evitar, limitar, negar ou destruir o objeto de desejo. Assim, se infla o ego ferido, transformando o “xoxo” (hugs and kisses) em dor, indiferença e vingança. Substitui-se a alteridade do “estou te amando” por postagens provocativas, deboches, desprezo ou desdém por likes.
 

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS