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Doutor em Antropologia

Arnaldo Eugênio

Doutor em Antropologia

Reforma eleitoral: o diabo nos detalhes

Foto: DivulgaçãoO diabo nos detalhes

 

No Brasil - conforme Tom Jobim, “um país que não é para principiantes” -, a reforma política é um tema complexo, controverso e recorrente, que envolve mudanças necessárias e oportunistas, impactando em todo o sistema eleitoral. Comumente, sempre às vésperas das eleições no Brasil, o Congresso Nacional apresenta um pacote volta-face, que esconde o diabo nos detalhes, pois a finalidade é mais eleitoreira do que de aperfeiçoamento do sistema político – o código eleitoral de 1965 e a lei eleitoral de 1997.

Na verdade, da promulgação da Constituição de 1988 até 2021, nunca aconteceu uma ampla, séria e profunda reforma política no país. De fato, existiram apenas algumas ações e minirreformas com interesses políticos pontuais – p.ex. o pacote de mudanças, em 2015; a Lei da Ficha Limpa, em 2010. Assim, a política no Brasil se mostra ao senso comum de forma complexa e antagônica, ou seja, singular, oportunista, nauseante, descrente e vil.

A nova Proposta de Emenda à Constituição (1988), que trata da reforma eleitoral, dentre outras medidas busca implantar o chamado “distritão”, que já foi rejeitado duas vezes pelo plenário da Câmara, em 2015 e 2017. Atualmente, se utiliza o sistema proporcional para eleger deputados e vereadores – ou seja, as vagas são distribuídas proporcional ao número de votos que os candidatos e partidos recebem na eleição. No “distritão” são eleitos os candidatos mais votados, não leva em conta os votos nos candidatos perdedores e nos partidos.

Na prática, o sistema proporcional é mais representativo do que o “distritão” – onde os votos não considerados serão jogados fora, ou seja, a eleição para o legislativo vira majoritária, como ocorre para presidente, governadores, senadores e prefeitos. Na prática, é um desperdício a preferência eleitoral, onde uma imensa parcela da sociedade ficará sem qualquer representação: antidemocracia.

No “distritão” se elege os mais votados, acabando com os “puxadores de voto”, mas favorece as candidaturas de celebridades e abastados fora da vida política, sem comprometimento social e o uso de milícias digitais como modus operandi, aumentando a concorrência com os próprios parlamentares.

Na prática, o diabo se esconde nos detalhes, pois no “sistema distritão”, a disputa eleitoral passará a valorizar menos as ideias e programas partidários, e se torna personalista, reduzindo o papel dos partidos e enfraquecendo a democracia. Ou seja, destrói os partidos políticos porque tudo passa a depender muito mais da votação em indivíduos do que em partido e propostas lícitas.

Além de evitar o debate público e a transparência, a comissão parlamentar propõe, contraditoriamente, a perda de mandato aos parlamentares que trocarem de partido e criação de uma janela para a alteração partidária; a retomada das doações privadas por pessoas jurídicas e regras para a distribuição de recursos públicos aos candidatos; instituir o voto impresso – como forma de subversão da ordem política e social; diminuir por meio de cotas o acesso e paridade a representatividade de negros e mulheres no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais.

Uma das propostas esdrúxulas é a de vetar divulgação de pesquisas no dia e na véspera da eleição, e exigir um “percentual de acerto” dos institutos, com base nas últimas cinco eleições. É uma cesura de informações para os eleitores, pois uma pesquisa eleitoral não faz prognósticos, mas um registro da intenção ou tendência do voto.

A proposta de reforma política (2021) formatada na comissão especial, visando frear o ativismo jurídico, tem o mérito de trazer o tema à luz e colocar o Brasil na vanguarda do atraso político.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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