Pensar Piauí
Doutor em Antropologia

Arnaldo Eugênio

Doutor em Antropologia

Nada de voltar às aulas

Foto: EBCVolta às aulas?
Volta às aulas?

Co-autoria: Débora Moraes, Especialista em Educação

A pandemia de coronavírus tem, além de causado as mortes de milhares de pessoas, forçado à ressignificação de muitas práticas socioculturais e valores nas sociedades, instaurando uma espécie de “novo normal”, que se aproxima um pouco do conceito de “modernidade líquida” (BAUMAN, 2008). Isto é, uma nova época em que as relações sociais, econômicas e de produção são frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos.

Trata-se de um “novo normal” caracterizado pelo fim dos padrões, da estabilidade, da segurança e das certezas, bem como, da crescente fome e miséria, da multiplicação dos discursos de ódio, do enfrentamento, do aprofundamento da desigualdade econômica e social no mundo – e no Brasil. Estamos imersos numa crise global e local, impossível saber se e quando terá fim.

Especificamente, pela necessidade sanitária de isolamento social, as redes escolares privadas e públicas tiveram que suspender as atividades presenciais, causando um mal-estar profissional e familiar. Por um lado, os profissionais da educação ficaram flutuantes, hesitantes, indecisos e vacilantes. Por outro, os estudantes e familiares foram envolvidos numa nuvem social de pusilanimidade, apavoramento, tristeza e pânico.

Num contexto de pandemia, de mortes, de desemprego, de desalento, de pânico e de incertezas, no Brasil, os governos federal, estaduais e municipais se depararam com um complexo dilema sociopolítico: cancelar o ano letivo ou viabilizar o retorno às aulas, com parte presencial e outra parte através do processo remoto de escolarização.

Partindo das orientações sanitárias da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de que a educação no Brasil nunca foi uma prioridade de Estado, defendemos a hipótese de que, mesmo a educação remota sendo viável e necessária, a imposição do retorno às aulas é, de fato, uma estratégia política inconsequente, que não tem preocupação legítima com o desenvolvimento escolar, principalmente da população pobre, negra e periférica. 

Segundo a OMS, o coronavírus não é sazonal nem tem relação com a estação climática, mas com a capacidade de controle epidemiológico e o nível de distanciamento social.

Como no Brasil existe baixo nível de saneamento básico e mais de 27 formas diferentes de manifestações da pandemia de coronavírus, 1) não há segurança alguma para retornar às aulas em 2020. Na rede pública, 2) as precárias condições aos profissionais da educação, para efetivar as atividades presenciais quanto remotas, não estimulam nem lhes dão qualquer segurança para retornar às escolas; 3) o improviso com as mídias digitais transformaram as “aulas remotas” em “aulas terremotos”, pois a maioria dos professores não têm as qualificações para atuarem; 4) milhares de estudantes não têm acesso a internet e os professores ainda têm que arcar com seus próprios custos e ferramentas, em home office; 5) por si a pandemia é ansiogênica, agravando nos professores as angústias e estresses; 6) muitos pais não mandaram seus filhos para as escolas por falta de confiança nos gestores públicos e outros podem até mandar por não saberem mais o que fazer com a ociosidade daqueles dentro de casa. Portanto, 7) o retorno às aulas de forma açodada não recuperará as rotinas escolares e instaurará o medo da morte e a desconfiança no meio escolar.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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