Pensar Piauí
Economista

Acilino Madeira

Economista

“Na cidade se mata, no campo se desmata”

Foto: InternetN

Como uma das grandes personalidades brasileira, muita falta nos faz Millôr Fernandes com as suas sacadas geniais. Uma delas: “na cidade se mata e no campo se desmata”. No Brasil atual, nada de sobra para além da pandemia do Covid-19. Somente morte e terra arrasada em todos os sentidos. Depois da divulgação do vídeo da fatídica reunião ministerial de 22 de abril passado, ficou impregnado na boa alma brasileira um sentimento de perda e desalento. Uma vergonha nacional ... Senhores ministros, representantes de bancos estatais e o presidente da República tresloucado, todos dignos de pertencer às páginas prenhes de realismo fantástico do Gabriel Garcia Márquez.

E por que se mata tanto nas cidades brasileiras? E a quem se mata? E quem mata? Para se respostar as três indagações, torna-se necessário um pouco de luz sobre a história nacional pós regime militar (1964-1985). O golpe militar no Brasil produziu uma onda de ufanismo, ao tempo em que o “milagre brasileiro” gerava altos índices de crescimento da economia, dissociados de desenvolvimento econômico que pudesse fazer possível a sustentabilidade econômica de longo prazo.

Mesmo assim, os personagens do vídeo da mencionada reunião ministerial, em tom de demência e saudosismo, querem voltar ao passado glorioso verde-oliva das fardas do exército brasileiro. Um salto para o passado à base de revisionismo histórico rancoroso e fascista. Um reverso “Adeus Lenin” em moldes da direita caduca e ávida de poder. Não obstante, tais conservadores de direita passaram a se agarrar naquilo que os generais desmamados (ao fim do regime militar) muito bem souberam criar: o inimigo urbano. Assim reforçaram a cultura da violência, em contrapartida viraram empresários da segurança privada – com o surgimento das milícias urbanas. Uma máquina de espoliar e matar suburbanos e favelados.

Tudo que o Marechal Rondon e os irmãos Vilas Boas construíram, em termo de proteção aos povos indígenas, foi alvo de ataque e pilhagem por militares da triste estirpe do Major Curió, precursor dos garimpos clandestinos e da mineração criminosa (para os que lembram de Serra Pelada). E haja desmatamento e morte nos campos amazônicos desflorestados, abrindo trilhas e veredas como veias de condução de horrores que solaparam a paz de nosso Brasil rural e profundo.

A produção de miséria no Brasil rural modificou a estrutura populacional do país:  no campo 20%, na cidade 80% da população brasileira. As cidades brasileiras, sobretudo as capitais experimentaram desmedido inchaço populacional, no transcorrer das décadas de 1980/90. O processo de favelização dos grandes centros urbanos brasileiros produziu muita pobreza e violência urbana, causada pelo desemprego, pela informalidade econômica e pelo tráfico de drogas. As mesmas milícias e bandas podres das corporações militares que reprimiam, também lucravam com o tráfico. Claro que as milícias venceram a batalha, perdeu a sociedade brasileira.

No crepúsculo do regime militar, por ocasião da segunda crise do petróleo em 1979, a sociedade brasileira se fragmentou ainda mais, pela produção de imensos bolsões de misérias (leia-se favelização) e raríssimas ilhas de prosperidade. Neste diapasão, uma elite esbranquiçada foi tomando corpo em postos gerenciais da economia capitalista, liberal e dependente, enquanto uma legião de indigentes e desassistidos (favelados e suburbanos), sobretudo negros, pardos e mestiços descamisados passaram a ser postos à prova dura da morte: de susto, de bala ou vício. Mais de bala mesmo. Basta ler as estatísticas do Data Favela.

Não bastasse, as milícias, as notícias falsas e a ignorância escolar engendraram o presidente Bolsonaro. Fazendo o gesto da “arminha”, evocando o Deus rancoroso dos neopentecostais e almejando o sonho de consumo americano, uma nova classe política tomou acento nos gabinetes ministeriais e no parlamento brasileiro – chegou a vez dos precários de cultura e humanidade. A ordem da barbárie instalou a República da Negação.

Mas, como se trata da República da Negação, a tropa não se entende e a voracidade das traições de inimigos internos se avoluma. A mediocridade campeia e a falta de projeto atordoa. A pandemia até que poderia servir de lição. Não serve porque ela veio, na visão da tropa, para acabar com a economia e não interessa os óbitos de fracos brasileiros e brasileiras.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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