Pensar Piauí
Economista

Acilino Madeira

Economista

Faltam às “pessoas de dentro da UFPI”, dois aportes educacionais: conhecimento estético e de história do Piauí

Foto: Elmar CarvalhoEl Matador
El Matador

 

No Piauí, ocorreu o mais cruento extermínio de nações indígenas da América do Sul, iniciado no século XVII, prolongando-se até as primeiras décadas do século XIX. Desta forma, bem explicita, Paulo Machado inicia a sua obra “As trilhas da morte” (2002). Verdade que este processo de extermínio do elemento indígena foi sofisticadamente negado pelo conjunto dos primeiros historiadores piauienses, incluindo Abdias Neves. Assim como também foi negada a importância do elemento negro na formação econômica do Piauí. Em “Literatura e Identidade no Piauí” (2010), Alcebíades Costa Filho desvela os processos de negação ou de dúvida postas se houve mesmo a escravidão negra no Piauí.

Pasmem, o nosso legado histórico é de pura negação sobre a importância do elemento indígena e do elemento preto na formação da cultura piauiense. Mas, nossa ancestralidade ameríndia se faz viva em nossos parques arqueológicos, menos mal.

Não obstante, o Piauí é também Brasil, é também mundo. Não poderia passar incólume pela onda antirracista que se alastra por todo o planeta. Sobretudo nos Estados Unidos e na Europa, os estudos pós-colonialistas ou decoloniais tem servido de âncora para manifestações variadas, e estátuas e monumentos de figuras históricas ligadas aos processos de colonização, exploração e escravidão tem sido derrubadas.

Padre Antônio Vieira, em Portugal, teve sua face lambuzada de vermelho, o mesmo vermelho do sangue derramado afro-tupi em terras coloniais. Em São Paulo, um projeto de lei propõe a retirada da estátua de Borba Gato, um bandeirante ligado à procura de ouro, e por conseguinte ao genocídio de povos indígenas. No Piauí, seguindo a onda do revisionismo histórico, um grupo de “pessoas de dentro” da Universidade Federal do Piauí quer destruir a escultura “EL MATADOR” do escultor Carlos Martins, por sinal já falecido e que está fixada na rotatória central da avenida Universitária com a avenida Raul Lopes, bem no centro da UFPI.

Trata-se de uma escultura denúncia inspirada no poema “El Matador”, do poeta H. Dobal, e não uma apologia ao matador de índios João do Rego Castelo Branco, um dos colonizadores do Piaui. Na verdade, são três obras de arte encomendadas pelo professor Cineas Santos e doadas à comunidade piauiense e colocadas no interior do campus da Ininga (UFPI). A escultura em pedra do artista plástico Antônio Amaral e o mural do também artista plástico Gabriel Arcanjo foram já destruídas, não se sabe ainda se pelo mesmo grupo, cujas lideranças não foram até agora identificadas publicamente.

No caso do Piauí, não me parece ser um caso de revisionismo histórico e sim de uma não compreensão estética. As obras de arte supracitadas, e em especial a escultura em ferro “EL MATADOR” de Carlão Martins, como era conhecido, não representam uma apologia ao sanguinário João do Rego Castelo Branco, figura conhecida pela historiografia piauiense. Representam sim uma denúncia ao triste passado colonial, pelo reavivamento de nossas heranças afro-ameríndias.

Neste terreno pantanoso do revisionismo histórico, faz-se necessário as devidas cautelas para que não venhamos afundar no simplório apagamento da memória. Há mais de um século Rui Barbosa mandou queimar uma vasta documentação sobre a escravidão, acreditando que com tal ação fosse esquecida ou cicatrizada a ferida aberta da escravidão negra no Brasil, no dizer de Joaquim Nabuco.

Faltam a este grupo de “pessoas de dentro da UFPI”, responsável por esta tentativa de apagamento artístico (e não histórico), dois aportes educacionais (erudição): (1) conhecimento estético para leitura de mundo e (2) de história do Piauí. Ao invés da alcunha de “pessoas de dentro”, bem que poderia ser de “pessoas por dentro” dos valores universais e culturais de uma comunidade acadêmica.

Com a criação da UFPI, nos idos dos anos 1970, um novo conjunto de historiadores superaram as ideias de negação (de índios e negros) no processo de desenvolvimento econômico do Piauí, incluindo-se Odilon Nunes, Monsenhor Chaves, Milton Brandão e tantos outros expoentes que humildemente recomendo como aportes necessários para a compreensão dos elementos formadores do Piauí

Não faz nenhum sentido o revisionismo da história do Piauí a partir da destruição de um conjunto de obra de artistas piauienses contemporâneos e de vanguarda. Este grupo de “pessoas de dentro da UFPI” não está alcançando o valor da denúncia estética.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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