Pensar Piauí
Economista

Acilino Madeira

Economista

Com a elite brasileira no comando do país, pouco se espera quanto à restruturação do Brasil pós-pandêmico

Foto: O outro lado da notíciaAs classes menos favorecidas se perpetuam na insignificância e na invisibilidade de uma escravidão perpétua
As classes menos favorecidas se perpetuam na insignificância e na invisibilidade de uma escravidão perpétua

O filosofo e psicanalista esloveno, Slavoj Zizek, comunica em suas redes sociais e também nos principais jornais do mundo, em artigos sobre a crise do Covid-19, que “esperamos pico da pandemia na esperança de retorno gradual a normalidade, mas a crise só se arrasta”. As análises deste importante expoente da filosofia contemporâneo se ambiente e encontra eco em um mundo acostumado a discussões de conteúdo ético e focado na possibilidade real de que o que contam mesmo são as pessoas e as instituições.

Tal situação de análise passa ao largo das mentalidades dos retroliberais dependentes brasileiros, capitaneados e dirigidos (Deus sabe como) pelo presidente Jair Bolsonaro. Estes não esperam pelo final da pandemia e já começam a exigir o retorno imediato à normalidade (da economia), haja vista o estancar da crise seja dado, por todos eles, como algo líquido e certo.

Enquanto o quadro de generais instalados no governo Bolsonaro pensa em um plano de retomada da economia brasileira com base no investimento em infraestrutura sem precisar quais as fontes de recursos necessárias; a equipe econômica pensa na retomada do desenvolvimento nacional financiada pelo capital privado, também sem precisar qual a política de atração deste capital, se nacional ou estrangeiro.

Em meio a pandemia e o amontoado de mortos, principalmente em São Paulo, o centro econômico do país que virou epicentro do Covid-19, o governo Bolsonaro produz crises e mais crises no seio da institucionalidade mal resolvida do país: faz discursos inflamados contra os outros poderes constituídos (Legislativo e Judiciário), diz ser ele mesmo a própria Constituição.

Com a demissão do Diretor Geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, virou mais uma peça decorativa no cenário geral (pediu demissão a pouco). Bolsonaro procurou as figuras mais abjetas do Centrão (político) e nelas se apega para a construção de uma nova agenda de governo, cujo objetivo maior não é governar para os brasileiros, mas para salvar das garras da justiça os seus três filhos e mais amigos milicianos.

O Brasil não é mesmo para amador, como dizia nosso saudoso Tom Jobim. Não é mesmo. Enquanto o mundo pensa a retomada da economia em bases mais humanizadas, a elite brasileira pensa na retomada da normalidade econômica dentro da mesma crença da exclusão social, do autoritarismo das classes dominantes na procura da ressureição da política do latifúndio, da produção de commodities em larga escala, da desindustrialização e do cinismo do desconhecimento da invisibilidade dos miseráveis (excluídos = escravizados).

Com as elites de agora, econômica e política, no comando do país, muito pouco de alvissareiro podemos esperar quanto à restruturação do Brasil pós-pandêmico. A literatura nacional muito tem a nos ensinar sobre como temos a tendência de acomodar as situações sempre naturalizando as mazelas e fazendo destas situações comuns (as vezes em novas vestes) nos momentos que sucedem as crises que corroeram e ainda corroem o tecido social de nossa nação.

Recentemente li “A Fome”, de Rodolfo Teófilo publicado pela primeira vez em 1890 e “Água de Barrela”, de Eliana Alves Cruz publicado em 2018. O primeiro romance fala da longa estiagem (1877, 1878, 1879) que dizimou 4% da população nordestina, aproximadamente 500 mil pessoas. A seca combinou a fome com a epidemia do tifo, varíola e cólera. O romance se passa no Ceará. O segundo romance se passa no Recôncavo Baiano (cidade de Cachoeira-BA) e conta a saga de uma família de matriz africana e matriarcal que atravessaram um longo período de escravidão e pós escravidão de mais pobreza e desalente quanto aos frutos da Lei Áurea (1888).

Nos dois romances, a mesma lição: no Brasil as classes dominantes se reinventam com o apoio do Estado e as classes menos favorecidas se perpetuam na insignificância e na invisibilidade de uma escravidão perpétua.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS