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Economista

Acilino Madeira

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Bolsominions são demônios que saíram do culto para brincar de amigo oculto com Satan no condomínio

Foto: Paraíba Radio blogChico Cesar
Chico Cesar

 

 

Hoje abro o jornal e leio duas notícias: a primeira sobre a Pesquisa Datafolha indicando melhoria na avaliação de Bolsonaro desde que começou o seu governo; a segunda: que a Câmara Municipal de João Pessoa (PB) aprovou, por unanimidade, um voto de repúdio ao cantor e compositor paraibano Chico César.

Chico César, do alto de sua sensibilidade estética, compôs recentemente a canção “Bolsominions são demônios”. A letra explicita que “Bolsominions são demônios que saíram do culto para brincar de amigo oculto com Satan no condomínio”. Independentemente de qual vereador ou vereadora, de qual seja seu partido, a iniciativa de repudiar uma canção por se achar que a mesma atenta contra a ética (neo) pentecostal é no mínimo uma falta do que fazer.

Para os adeptos do governo Bolsonaro, não interessa apenas festejar o sucesso da pesquisa em comento, mas render homenagens àquele que mais contribuiu, na história republicana brasileira, para a corrosão do caráter ético-político da nação e de suas instituições republicanas: o presidente da República Federativa do Brasil.

Não obstante, percebo muita falta de humor nos “Bolsominions” (nas palavras de Chico César) quando o assunto é brasilidade. Pois bem, os eleitores e apoiadores do governo Bolsonaro se dizem conservadores e de boca cheia pregam, em grande maioria, a supremacia da raça branca, são terrivelmente evangélicos, odeiam a educação laica, não acreditam na ciência, abominam qualquer traço que revele afrodescendência e por fim, negam toda e qualquer possibilidade de reconhecimento histórico-cultural dos povos indígenas do Brasil.

A propositura de encaminhamento do voto de repúdio a Chico César, através de requerimento, foi de autoria da vereadora Elisa Virginia (Progressistas), alegando que a canção ofende aos evangélicos. Acredito que a referida vereadora também deveria se indignar com as notícias verdadeiras sobre os ataques às casas de cultos africanos e afro-ameríndios na região metropolitana da capital paraibana (de umbanda, candomblé e jurema), na quase totalidade por intolerância religiosa com anuência e até protagonismo dos mesmos evangélicos ofendido com a música de Chico César.

Passando a limpo a questão da “brasilidade”, é posto se observar que o termo tem se engrandecido pelos aportes das ciências sociais que, ao longo dos anos 1980/1990, por sua vez têm se esforçado por deitar abaixo o mito da democracia racial, incorporando novas categorias de análises sociológicas que impulsionaram novas narrativas sobre a negritude brasileira, povos da floresta e as cotas raciais.

A música de Chico César incomoda por se acostar a movimentos emancipatórios de cores e formas bastante urbanas de contestação político-social. A música de Chico César provoca uma reação indignada por parte das franjas privilegiadas no Brasil. A música de Chico César não se coadune e nem se compatibiliza com a revolução evangélica que tomou e toma ainda mais corpo no país.

Se fizermos um apanhado do que a boa crítica política americana (EUA) e europeia tem se pronunciado sobre os apoiadores de Bolsonaro, em comum, vigora a constatação de serem formados, sobretudo pelas franjas privilegiadas e pelos evangélicos revolucionários no Brasil.

Em 10 de janeiro de 2019, o colunista João Ferreira Dias, do jornal português Público, afirma que entre a queda do mito da democracia (graças às ciências sociais e aos movimentos negros) e as políticas de ação afirmativa empreendidas pelos governos do PT (Partido dos Trabalhadores), ocorre a reação dos setores historicamente favorecidos (franja), que viram seus privilégios raciais e de classe ameaçados. Isto abriu caminho para a invenção de Bolsonaro como um salvador da pátria imaginária dos ameaçados privilegiados.

Por fim, a revolução evangélica sonhou para a realização de seus fins um presidente terrivelmente analfabeto de brasilidade. Daí que o repúdio institucional à música de Chico César é um ato de covardia e vingança por ser o Brasil um país, cuja matriz étnica é africana. Para inteirar: Mama África é mãe solteira.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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