Pensar Piauí
Doutor em Antropologia

Arnaldo Eugênio

Doutor em Antropologia

A unidade do MP brasileiro

Foto: ReproduçãoMinistério Público
Ministério Público

 

No Brasil, o Ministério Público é um instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, tendo por finalidade, no âmbito do Judiciário, a defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade, a fiel observância da Constituição e das leis. Internamente, reforça a unidade entre os seus representantes. Pois, as distâncias geográficas entre as sedes não impede cultivar a coesão funcional, sem elogio vulgar ao corporativismo.

Em recente episódio, para além de lamentável, oprocurador da República de São Paulo Anderson Santosdefendeu a 'obrigação sexual' de mulheres em lista interna de mensagens, afirmando que “[...] o não cumprimento do 'débito conjugal' pela esposa deve levar à 'dissolução da união' e à 'perda de todos os benefícios patrimoniais'[...]”.

Ressalte-se que, a defesa do direito de liberdade de expressão e o decoro do cargo não coadunam com opatriarcado, sexismo, machismo ou misoginia, em que pese a opinião privada e a construção do caráter alheio. Pois, comportamentos e falas desse quilate estão na contramão da "Era dos Direitos" (Norberto Bobbio, 1987), que busca a positivação dos Direitos humanos, seu reconhecimento e garantias.

A unidade funcional no Ministério Público é uma virtude institucional, não um reforço ao corporativismo ou guarda-chuva de pensamentos retrógrados ao reconhecimento e proteção aos direitos das mulheres na sociedade brasileira. Trata-se de uma instituição que tem como responsabilidade a manutenção da ordem jurídica no Estado e a fiscalização do poder público em várias esferas, sem para tanto instrumentalizar o direito.

Ao se apropriar de recordes desconexos de textos sagrados como argumento dissimulado de tese - “O marido pague a sua mulher o que lhe deve, e da mesma maneira a mulher ao marido” (livro de Coríntios) -, Santos extrapolar a razoabilidade, tendendo a legitimar o "estupro matrimonial", sem suscitar o debate sobre a monogamia ea criminalização do adultério.

No campo científico, a priori pode-se defender qualquer tese, desde que haja, no mínimo, três argumentos válidos e sustentáveis entre si. No caso de Santos, associar o feminismo a um transtorno mental decorrente de “débito conjugal”, pelo qual a mulher teria "obrigação sexual" a cumprir em relação ao parceiro, é “quiproquó jusnaturalista” e à teoria jurídica moderna. Estando ele, passível de representações na Corregedoria do Ministério Público Federal e sujeito a advertência, censura, suspensão ou demissão.

Ao se defender, negando que tenha reificado o estupro, mas recorrendo há decisões na Justiça que ainda levam em conta a falta de sexo para anular casamentos, Santos nega a cientificidade no argumento, se refugiando no juízo de valor, patriarcado, sexismo, machismo e misoginia, para sustentar o feminismo como um transtorno mental resultante do “débito conjugal”.

Distante da percepção obtusa de Santos, o feminismo é um movimento de lutas políticas, filosóficas e sociais que defendem a igualdade de direitos entre mulheres e homens, surgido na Europa em meados do século XIX, como uma consequência dos ideais da Revolução Francesa (1789 e 1799) - "Igualdade, Liberdade e Fraternidade".

Assim, sem o prévio julgamento de Santos, a unidade funcional do MP é mais edificante do que exigir que a mulher faça sexo por “débito conjugal” para evitar odivórcio. Além disso, já está consolidado entre os membros do MP, a despeito das falas infaustas de Santos, o reconhecimento tácito que as lutas do movimento feminista e o casamento não têm qualquer relação com algum tipo de "transtorno mental" ou “delírio jurídico”.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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