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Economista

Acilino Madeira

Economista

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Foto: Blogueiras negrasA carne mais barata do mercado

Com o avanço do Covid-19 para as áreas periféricas das grandes cidades brasileiras, as mortes recaem sobre um extrato populacional, sobretudo de favelados composto, na grande maioria, de pretos, mestiços e pobres. Contudo esta situação de genocídio é antiga e se arrasta há muito, a cultura da violência sempre impactou na realidade do país de maior população negra do mundo fora da África, qual seja o Brasil.

Em matéria veiculada na grande imprensa brasileira, sobre o Atlas da Violência 2017, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 05.06.2017, consta a triste realidade de que homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no País. A população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios”.

Para Daniel Cerqueira, pesquisador do IPEA, há no Brasil, uma licença para matar, desde que isso aconteça fora das áreas nobres das cidades, para isto foram criadas as milícias. Em 2015, a taxa de mortes entre 15 e 29 anos para cada grupo de 100 mil jovens foi de 60,9. Se apenas homens jovens negros  forem levados em conta, este indicador aumenta para 113,6 – a taxa geral por 100 mil habitantes foi de 28,9.

O estudo ainda revela que o aumento da violência contra a população negra também foi observado nos dados de morte de mulheres. Em 2015, 4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres. Enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras diminuiu 7,4%, entre 2005 e 2015, o indicador equivalente para as mulheres negras aumentou 22,0%.

O mais estarrecedor é que tal genocídio do povo negro no Brasil, noutras palavras menos suavizante, respeita a falta de investimento em educação principalmente e ao próprio racismo estrutural no país. Isto vale dizer que a questão educacional é primordial. Contudo, o crime nas cidades afeta o processo de crescimento econômico. Os pesquisadores do IPEA salientam que “o crescimento econômico via mercado de trabalho faria diminuir a taxa de crimes. A cada 1% a menos na taxa de desemprego, a taxa de homicídio diminuiu algo em torno de 2,1%. A crise estrutural já vinha incentivando o crime em várias unidades federativas".

É posto se verificar que apesar do avanço em indicadores socioeconômicos e da melhoria das condições de vida da população entre 2005 e 2015, como afirma o relatório, continuamos uma nação extremamente desigual, que não consegue garantir a vida para parcelas significativas da população, em especial à negra.

A morte de jovens negros brasileiros em escala superior à totalidade das mortes em países em guerra representa um prejuízo incalculável para a economia nacional. Não bastassem as contradições de um país gigante e atrapalhado no cenário internacional, seja no plano econômico, seja no plano político e mais atrapalhado ainda no campo diplomático. A pandemia (e pós-pandemia) do novo coronavirus agrava ainda mais a situação da população pobre brasileira e que depende do sistema público de saúde.

Vidas ceifadas por mortes violentas, famílias destroçadas diante da falta de perspectivas mínimas de sobrevivência, atingem em cheio o povo negro e mestiço brasileiro. Na atualidade, a dita pandemia desvela as marcas profundas deixadas pela escravidão negra no Brasil, e que nas palavras de Joaquim Nabuco: a escravidão provocou profundas feridas na nacionalidade brasileira, deixando sequelas que até hoje refletem em nossa ordem econômica, política e cultural.

Diante das passadas e presentes violências e a pandemia do Covid-19, o que tem a população afrodescendente brasileira a comemorar?  Na verdade, vale chorar a morte indigna dos que se foram e a certeza que fica no canto dolorido e sincero de Elza Soares quando afirma que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”.

Uma infâmia dupla: o peso da herança histórica e o desgoverno Bolsonaro.

OBS: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do pensarpiaui.

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