Vídeo de Daniel Silveira é aula de como o bolsonarismo manipula a violência

Para além de apresentar um deputado federal desqualificado e criminoso, o vídeo demonstra a estratégia bolsonarista de instrumentalização da violência

Foto: O Globo
Bolsonarista Daniel Silveira

Por Leonardo Sakamoto, jornalista, no Facebook 

Para além de apresentar um deputado federal desqualificado e criminoso, o vídeo demonstra a estratégia bolsonarista de instrumentalização da violência para excitar e mobilizar o naco de extrema direita que acredita que o principal conteúdo está na forma. Ao ouvir Daniel Silveira (PSL-RJ), esse grupo avalia que ele é honesto por "falar o que pensa", corajoso por "dizer umas verdades para os poderosos" e necessário por "passar por cima dos direitos humanos e do politicamente correto".

O vídeo em que ameaçou ministros do Supremo Tribunal Federal e defendeu a ditadura militar, e que o levou à cadeia, surpreende pela agressividade, a miríade de termos chulos e o uso de expressões que demonstram imaturidade. É bizarro mesmo para uma pessoa que ficou nacionalmente conhecida ao depredar uma homenagem à Marielle Franco, vereadora que havia sido recém-executada no Rio de Janeiro.

O fato de ele cometer uma série de crimes no meio disso é apenas um detalhe. Até porque muitos de seus seguidores se importam com o cumprimento da lei apenas se ela corroborar seus pontos de vista, caso contrário a lei está errada.

Se não fosse assim, ficariam indignados com o fato dele ter sido pego, nesta quinta (18), pela Polícia Federal, com dois celulares no local onde estava preso. Afinal, manter celular ilegalmente em uma cela é coisa de bandidão mais rastaquela, que burla o sistema na cadeia para ganhar uns trocados aplicando golpe.

Ele poderia ter criticado o Supremo Tribunal Federal usando argumentos, de forma decente. Teria gasto um quinto do tempo. Mas isso não faria com que o vídeo viralizasse, nem que fosse elogiado por outras figuras do seu círculo, como o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, muito menos que o caso chegasse em Jair. Pelo contrário, seria chamado de "frouxo" pelo naco de seus seguidores que se acostumaram com um ex-policial youtuber, que atira primeiro, depois pergunta.

Abaixo, alguns trechos do vídeo:

"Fachin, seu moleque, seu menino mimado, mau caráter, marginal da lei, esse menininho aí, militante da esquerda, lecionava em uma faculdade, sempre militando pelo PT, pelos partidos narcotraficantes, nações narcoditadoras. (...)Você integra, tipo assim, a nata da bosta do STF, certo? (...) Agora, que você tem que tomar vergonha na sua cara, olhar, quando você for tomar banho, olhar o bilauzinho que você tem e falar: 'Pô, eu acho que sou um homenzinho. Eu vou parar com as minhas bobeirinhas'. (...) O que acontece, Fachin, é que todo mundo já está cansado dessa sua cara de filho da puta que tu tem. Essa cara de vagabundo."

"Por várias e várias vezes já te imaginei tomando uma surra. Ô? quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte. Quantas vezes eu imaginei você, na rua, levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não. Eu só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime. (...) Então, qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência, após cada refeição, não é crime."

Políticos, magistrados, religiosos fundamentalistas, comunicadores, humoristas dizem que não incitam a violência contra outras pessoas, como Silveira disse que não estava fazendo enquanto efetivamente fazia. Podem não ser suas mãos que seguram a arma, a faca e o porrete, mas é a sobreposição de seus discursos ao longo do tempo que distorce a visão de mundo das pessoas comuns e torna o ato de atacar de atirar, esfaquear e espancar banal.

Suas ações e regras redefinem, lentamente, o que é moralmente aceitável, visão que depois será consumida e praticada por seus seguidores. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, quase em uma missão civilizatória. Ou divina.

Aliás, se Cristo vivesse hoje, seria morto novamente em nome de Deus. E morreria com duplo desgosto ao ver pastores, que dizem serem seus servos, exigirem a deputados da bancada religiosa no Congresso Nacional votem a favor da libertação de Daniel Silveira sob pena de não serem reeleitos.